sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

TKCSA: mais uma obra do PAC desrespeita as leis ambientais.

Entrevista especial com Alexandre Pessoa

Estudos ambientais devem considerar todos os aspectos de empreendimentos altamente poluidores como o da TKCSA. Entretanto, questões referentes à saúde humana "não foram consistentes no estudo de impacto ambiental” da empresa, garante o pesquisador da Fiocruz.

Confira a entrevista.

         Maior empreendimento da transnacional alemã ThyssenKrupp no Brasil, a ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) faz parte das obras do PAC e produz cerca de cinco milhões de placas de aço por ano para exportação. Mesmo anunciando que o empreendimento gera 3.500 empregos, conforme consta no sítio da empresa, o complexo siderúrgico “não obedece critérios mínimos de proteção ambiental” e desconsidera estudos de efeitos à saúde humana da população de Santa Cruz, Rio de Janeiro. Segundo o pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa, a TKCSA não dispõe de um plano de contingências para evitar eventuais problemas no processo de produção. “O material que sai do ferro, o gusa, é colocado em cavas, em buracos abertos no meio ambiente, o que se configura, inclusive, um descumprimento da legislação de resíduos sólidos”, denuncia.

        Na avaliação de Pessoa, o atual padrão de instalação da TKCSA no Brasil “não seria aceito na Alemanha e nos países europeus, como dificilmente uma fábrica dessas poderia ser implementada nos arredores de um bairro de classe média”.

         Recentemente o pesquisador visitou Santa Cruz e informa que “pescadores perderam emprego e renda em decorrência das atividades interrompidas por consequência da fábrica”. Exames de saúde realizados pela Fiocruz indicam que a poluição gerada pelo empreendimento pode ser um dos responsáveis por problemas de saúde da população local. “É bom ressaltar que as comunidades de baixa renda locais se localizam muito proximamente à fábrica, diferente de outros empreendimentos de potencial poluidores, que tem um cordão verde de plantação o qual faz, de certa forma, uma barreira para eventuais emissões”, assinala o pesquisador.

        Alexandre Pessoa é formado em Engenharia Civil Sanitarista e mestre em Engenharia Ambiental  pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ. Também é pesquisador da Rede Brasileira de Habitação Saudável.

Confira a entrevista.

         IHU On-Line – Há quanto tempo a TKCSA atua no Brasil e por que se instalou no Rio de Janeiro?

        Alexandre Pessoa – A ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) é atualmente o maior empreendimento da ThyssenKrupp, uma transnacional alemã, fora da Alemanha. Ela faz parte do PAC. A área escolhida em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, tem uma argumentação técnica: é necessário estar próximo do porto em função da exportação dos lingotes de aço.

         A área de Santa Cruz foi historicamente ocupada por indústrias que promoveram uma degradação muito grande no território e, ainda hoje, é uma região procurada por indústrias que têm um modelo de produção altamente poluidor. Além disso, é uma área onde vivem comunidades de baixa renda. Cabe ressaltar que a TKCSA, para se instalar no Rio de Janeiro, recebeu isenções fiscais de ISS e ICMS.

         À medida que é implantado um complexo siderúrgico que não obedece, desde a sua implantação, critérios mínimos de proteção à segurança dos seus processos, os efeitos à saúde humana e ambiental no território podem ser graves e decorrentes das poluições provocadas pela indústria.

          IHU On-Line – Além das isenções fiscais, que outros incentivos o governo brasileiro ofereceu ao grupo alemão ThyssenKrupp? Como vê a atuação do grupo no Brasil?

       Alexandre Pessoa – Essa política de atrair empresas e oferecer benefícios fiscais, por um lado, compromete os interesses públicos e, por outro, a empresa também oferta ações de responsabilidade socioambiental em contrapartida. Então, a ThyssenKrupp desenvolve alguns investimentos na área em função dos eventos críticos de poluição. Eles utilizam o dinheiro das multas para fazer ações locais. A questão é que, as ações de responsabilidade socioambiental na empresa como, por exemplo, educação socioambiental corporativa nas redes de ensino público, traz uma série de distorções no que se refere ao papel do Estado e o das empresas sobre o território.

        O poder público é tímido na sua política pública em Santa Cruz no que se refere a investimentos de saneamento, educação, atenção à saúde. A empresa, por sua vez, se coloca não como gestora do interesse público, mas como um empreendimento que visa o lucro e a promoção da instituição. É papel intransferível do Estado estabelecer políticas públicas a favor dos interesses coletivos. Entretanto, a participação, na teoria neoliberal da parceria público-privado, coloca-se nesse território como uma política de altos riscos socioambientais.  

        IHU On-Line – Qual é a participação da Vale do Rio Doce no grupo alemão ThyssenKrupp?

        Alexandre Pessoa – A Vale do Rio Doce é uma parceira do empreendimento, ou seja, o setor de produção cabe à ThyssenKrupp, enquanto o setor de transporte do minério, dos componentes para a fabricação do ferro são feitas pela Companhia Vale do Rio Doce. O empreendimento faz parte de uma parceria da transnacional ThyssenKrupp CSA e da empresa privada, Companhia Vale do Rio Doce.

           IHU On-Line – A Fiocruz realizou um relatório sobre os impactos ambientais causados pela TKCSA no que se refere à saúde das populações da região. Em que consiste esse relatório? Qual é o diagnóstico?

         Alexandre Pessoa – O estudo de impacto ambiental foi fragmentado de acordo com as etapas distintas do transporte, do processo produtivo. O aspecto da saúde humana ambiental foi um dos itens menos consistentes contemplados no estudo de impacto ambiental e do clima para esse grande empreendimento. As instituições de pesquisa, pesquisadores e o movimento social alertaram para a necessidade de um estudo amplo que levasse em consideração todos os aspectos do empreendimento. Mas isso não foi feito. Hoje, inclusive, o Ministério Público move uma ação de crime ambiental responsabilizando o diretor da empresa e o diretor de gestão ambiental pelos problemas gerados em função do empreendimento. Isso demonstra claramente que não foram feitos estudos necessários para a proteção da vida humana e dos ecossistemas do território, o que configura uma violação de direitos, um desrespeito à população de Santa Cruz e ao povo brasileiro.

Riscos ambientais

        Nas audiências públicas foi apresentada a análise crítica do relatório de impacto ambiental, onde se evidenciou lacunas na questão da saúde e de itens que não foram considerados como a possibilidade de geração de benzeno, de benzeno a pireno, que são emissões atmosféricas que normalmente acontecem em complexos siderúrgicos que não foram devidamente contemplados.

           A ocorrência, hoje, de poluição atmosférica com fuligens de grafite e outros minerais que estão nesses particulados, demonstra claramente a falta de um plano de emergência caso determinadas etapas do processo de produção tenham algum problema no seu sistema de produção. É isso que está acontecendo no complexo siderúrgico no que tange aos particulados, ou seja, não há nenhum plano de contingência: o material que sai do ferro, o gusa, é colocado em cavas, em buracos abertos no meio ambiente, o que se configura, inclusive, um descumprimento da legislação de resíduos sólidos. Segundo a lei, não podem ser dispostos resíduos em áreas abertas, exatamente pelo potencial poluidor.

         Existe uma discussão de poluição atmosférica, poluição do solo, das águas, do ecossistema, da fauna, da flora e da saúde, que deveria ser considerado nos estudos e devidamente exercido o controle social dos diversos interesses que existem no território. Essa fragilidade e urgência se colocam, atualmente, numa justificativa de aceleração de licenciamento. No nosso entendimento, isso fere os princípios técnicos e socioeconômicos que devem ser premissas para que esses estudos não gerem conflitos em processos de não só comprometer a saúde, mas também a qualidade de vida da população.

           Na semana passada, estive em Santa Cruz com o setor de saúde da Fiocruz e da Secretaria Estadual do Meio Ambiente para ouvir a comunidade. Os moradores da região elencaram para os representantes da saúde diversos problemas que estão acontecendo cotidianamente na vida deles, o que configura claramente que há um problema de saúde amplo.

         IHU On-Line – Que impactos para a saúde da população e do meio ambiente a TKCSA pode causar de imediato? Que tipo de danos podem surgir a médio e longo prazos?

        Alexandre Pessoa – Em termos de impacto à saúde, há os problemas agudos e os crônicos. Os agudos surgem de forma distinta de acordo com o tipo de poluição, ou seja, sem dúvida os particulados, que foram eventos críticos gerados a partir da entrada e alteração dos altos-fornos, geram problemas na medida em que os particulados entraram em contato com o ser humano. Esses particulados estão caindo em uma área extensa em Santa Cruz e geram problemas dermatológicos, respiratórios, oftalmológicos.

         A Fiocruz e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) realizaram exames médicos em moradores de Santa Cruz no sentido de verificar possíveis relações com a poluição. De fato há fortes indícios de impactos à saúde. Pessoas que já apresentam problemas respiratórios como asma, têm o quadro clínico muito agravado. Se não houver um monitoramente sistemático dessa poluição, ela poderá gerar problemas crônicos na saúde da população, os quais somente poderão ser evidenciados ao longo dos anos.

          Há também a necessidade de avaliar as emissões atmosféricas. À noite, moradores já mostraram as emissões atmosféricas vindo diretamente da fábrica. É bom ressaltar que as comunidades de baixa renda locais se encontram muito proximamente às fábricas, diferente de outros empreendimentos de potencial poluidores, que têm um cordão verde de plantação que faz, de certa forma, uma barreira para eventuais emissões. No caso da TKCSA, existe uma barreira humana, onde o movimento do vento amplia o nível e a extensão dessa poluição às comunidades.

          IHU On-Line – No caso seria importante uma barreira que levasse em conta a população que mora próximo à empresa?

         Alexandre Pessoa – Exatamente. O estudo de impacto ambiental tem que ter uma análise integrada dos processos produtivos e da sua interação com o ambiente, com o território. A questão da localização das comunidades limítrofes no próprio entorno da fábrica é uma evidência clara de uma inconsistência no trabalho.

        Outros impactos referentes à saúde merecem ser destacados, como a poluição sonora, o transporte de minérios através dos vagões próximos das residências, a movimentação que isso faz nas habitações.

          A TKCSA, o maior complexo siderúrgico da América Latina, é indiferente com a comunidade local, que tinha atividades pesqueiras, um nível de qualidade de vida. A instalação da Ingá Mercantil já havia tornado o território vulnerável. Esse cenário se repete de forma mais intensa em função da TKCSA. O interesse econômico movido por essa empresa acaba interferindo na própria autonomia do Estado, porque são grandes investimentos e isso traz problemas econômicos para a própria balança comercial do país.

       IHU On-Line – Que ações antecipatórias de saúde essas obras deveriam fazer? Já há algo em andamento? Por que a legislação vem sendo flexibilizada para a instalação dessas obras?

          Alexandre Pessoa – Em uma análise mais geral, porque a obra faz parte do PAC. Existe uma crítica contundente dos movimentos sociais e setores da academia em relação ao modelo desenvolvimentista, pautado pelo neoliberalismo, onde a força do Estado tende a ser reduzida porque ele não exerce o seu poder fiscalizatório e em defesa dos interesses coletivos e da própria sustentabilidade socioambiental.

       Se o problema inicia com a própria autorização do licenciamento em todas as suas etapas, a velocidade dos empreendimentos, o cronograma de obras e a logística dessa implantação têm que estar subordinados ao cumprimento da legislação. O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) não autorizou a entrada e operação do segundo alto-forno na TKCSA. Entretanto, existe uma decisão do governo do estado do Rio de Janeiro verticalizada, no sentido de autorizar a entrada e a operação do segundo alto-forno sem considerar o próprio órgão ambiental. Isso mostra uma interferência política que não condiz com os interesses públicos.

       No final do ano passado, no primeiro simpósio nacional de saúde ambiental, foi aprovada uma moção de repúdio à prática da TKCSA no território e solicitada uma posição contundente por parte do poder público, no sentido de reversão desse problema.

       IHU On-Line – Qual é a situação legal (autorizações para funcionamento) da TKCSA?

         Alexandre Pessoa – A TKCSA recebeu uma multa devido à ocorrência da emissão de particulados. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente indicou a Usiminas para realizar uma auditoria das atividades da empresa. Essa auditoria está colocada como condicionante para a emissão da licença de operação. Há grandes questionamentos quanto ao prazo de execução dessa auditoria em dois meses, frente à complexidade dos problemas e das evidências que estão ocorrendo no local, e ao fato de a Usiminas realizar a auditoria.

        Essa auditoria deveria ser realizada por universidades, instituições de pesquisa que fossem menos permeáveis a interesses e que garantissem a idoneidade e o tempo necessário para que fosse realizado um estudo consistente. 

       IHU On-Line – Quais são as maiores inconsistências do relatório de impacto ambiental da TKCSA?

      Alexandre Pessoa – O que se configura no território de Santa Cruz é uma violação de direitos. O padrão de instalação da TKCSA no Brasil não seria aceito na Alemanha e nos países europeus, como dificilmente uma fábrica dessas poderia ser implementada nos arredores de um bairro de classe média, de classe alta.
        Pescadores e pessoas perderam empregos e renda em decorrência das atividades interrompidas por consequência da fábrica. Por isso, ao se incrementar uma indústria, é preciso analisar o cenário.

        A questão é que existe um cenário anterior à implantação da fábrica, o qual foi altamente comprometido com a implantação. É em função disso que a comunidade local está encaminhando diversas ações para que os danos sofridos sejam reparados, que os moradores e pescadores sejam devidamente indenizados e que os impactos ambientais ao meio ambiente sejam revertidos de imediato.

        IHU On-Line – Quais são, em sua opinião, as principais falhas e desafios das audiências públicas realizadas no Brasil?

      Alexandre Pessoa – A legislação ambiental, ao longo do tempo, está sofrendo alterações intencionais no sentido de simplificar os estudos ambientais. A inconsistência dos estudos está sendo revelada à medida que as multas estão sendo aplicadas.

        A audiência pública é fundamental porque discute a importância do controle social e do conflito dos interesses que fazem parte da dinâmica social dos territórios. Ao mesmo tempo em que estas audiências estão sendo feitas de uma forma formal, sem a devida mobilização da sociedade e a garantia para que haja um debate consistente no processo – sob uma justificativa da necessidade de agilizar a qualquer custo esses empreendimentos –, as auditorias estão perdendo credibilidade. As informações dadas à população por parte da empresa são tendenciosas, irresponsáveis e, se nós não garantirmos o direito à informação, ficará difícil o exercício democrático dos interesses da coletividade.
  
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FONTE:

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_entrevistas&Itemid=29&task=entrevista&id=40912

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