quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

‘As metas de sustentabilidade ambiental vão mal'

 
       A tomada de prédios na Cidade de Buenos Aires e na Região Metropolitana no final do ano passado instalou na agenda uma crise habitacional de longa data, que não é exclusiva da Argentina. José Luis Samaniego, diretor da Divisão de Desenvolvimento Sustentável da Cepal, advertiu, em conversa com Cash, que os avanços nesta matéria foram modestos.

       Pior foi a performance dos Objetivos do Milênio dedicados à sustentabilidade ambiental, que não pertencem ao meio ambiente humano, como a preservação do solo, dos recursos não renováveis e dos serviços ecossistêmicos. Neste campo, Samaniego encontra um obstáculo chave: a distância que ainda existe entre as concepções de desenvolvimento e de desenvolvimento sustentável.

        Para salvar esta distância, o especialista propõe desenvolver uma forte normativa que restrinja o uso indiscriminado destes recursos e aplicar preços elevados “aos direitos do desenvolvimento”, para deter o avanço da fronteira agropecuária, do uso intensivo de água e a eliminação de montanhas para a extração mineral.

        A reportagem e a entrevista são de Natalia Aruguete e publicadas no jornal argentino Página/12, 13-02-2011. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Como define o conceito de sustentabilidade ambiental?

          Poderíamos pensar a sustentabilidade como um insumo na produção. Mas também como uma condição de limite. Ou seja, até onde se pode fazer uma atividade sem atingir os limites da capacidade de mudança. Há muita preocupação na região sobre a acessibilidade de energia, mas hoje nos estamos dando conta de que talvez a condição limitante não seja essa, mas a possibilidade de nos desfazermos dos dejetos da energia e não ter espaço ambiental para isso. Então, a sustentabilidade ambiental dependerá de todos os meios naturais.

Como quais?

Desde a velhíssima concepção da terra em sua capacidade produtiva, passando pelos recursos naturais não renováveis, até chegar aos serviços ecossistêmicos, isto é, aos bens públicos globais, como a atmosfera em sua capacidade de receber dejetos.

Acredita que os avanços para atingir as metas do milênio neste terreno foram suficientes?

          Não. Um dos Objetivos do Milênio é dedicado à sustentabilidade ambiental. Essas metas correspondem às grandes convenções ambientais internacionais recentes, que incluem florestas, o aquecimento global, substâncias que afetam a camada de ozônio, e uma parte tem a ver com o meio ambiente humano. Estas últimas, que estão muito ligadas ao habitat – a cobertura dos serviços de água potável ou a cobertura dos serviços de saneamento –, estão praticamente cobertas.

Há aspectos relacionados com o meio ambiente humano onde o acesso foi desigual.

Nós publicamos a última avaliação que chega até 2010 e a meta estava praticamente coberta em água potável, ainda que com um pequeno déficit no meio rural. Onde os saldos são maiores é na área de saneamento no meio rural, já que no urbano também se alcançou.

O que acontece com as metas que não pertencem ao meio humano?

       As metas de sustentabilidade que não são do meio humano não vão nada bem, nenhuma delas, salvo o abandono do uso de substâncias que esgotam a camada de ozônio. Mas o desmatamento, extrações de água potável, emissões de gás e o efeito estufa na atmosfera são muito evidentes. E a incorporação de critérios ambientais nas políticas gerais é muito fraca. A polaridade entre as concepções de desenvolvimento e de desenvolvimento sustentável é ainda muito grande. Creio que o importante nos próximos 15 anos será poder superar esta contradição.

       Alguns especialistas afirmam que há uma crise urbana que excede o problema habitacional.

       Não. Somos um continente com países em vias de desenvolvimento que têm um alto nível de urbanização. E ter população tão concentrada nas cidades produz vulnerabilidade de morte. Isso é muito evidente com a mudança climática. É possível vamos enfrentar riscos muito numerosos. Na zona limítrofe entre a zona central e a tropical, devido ao aquecimento, há um corrimento das fronteiras das doenças: malária e dengue são as duas mais importantes. Ali há riscos.

De que tipo?

O primeiro é que regiões que foram isoladas destas doenças tropicais podem voltar a ser vulneráveis. O segundo é que na América Latina há muitas cidades litorâneas, tanto no Pacífico como no Atlântico, e com a subida contínua do nível do mar há muitos ativos em risco nessas cidades. Além disso, preveem-se mudanças no ciclo das ondas, razão pela qual alguns portos importantes – inclusive cidades portuárias como Buenos Aires e Montevidéu – poderiam ser afetados seriamente. O terceiro problema é que uma boa quantidade de cidades – da América do Sul, sobretudo – depende do degelo glaciar, que está em recuo. Então, ao longo do século haverá um estresse hídrico, isto é, haverá uma mudança na quantidade de água disponível, porque vai derreter.

Frente ao cenário futuro de estresse hídrico, qual é o impacto das atividades extrativistas, como a agricultura ou a mineração?

         A agricultura é a principal. Quando houver estresse hídrico, haverá concorrências de usos. Isso levará a sinais de preços diferentes dos atuais, para poder designar os recursos hídricos entre diferentes estoques. Os produtos agrícolas não necessariamente representam o preço que a água tem. Caso se colocar um preço na água, cultivar tomates ou grãos não será exatamente a mesma coisa. Então, se terá que ser mais específico ao escolher os cultivos. Esse é o novo mundo, onde os recursos naturais vão atingindo limites e vão entrando na esfera do econômico.

De que forma entram na esfera econômica?

Quando se começa a valorá-los, quando se começa a colocar preço, aparecem os direitos por descarga na atmosfera, os direitos pelo uso da água ou os direitos do desenvolvimento.

E no caso da mineração, qual pode ser o impacto?

Caso se dinamitarem glaciares para acessar o forno detonador da mineração nos Andes e, além disso, a mudança climática os reduzir de tamanho, aumenta a pressão sobre o recurso hídrico disponível. Então há uma pressão de curto prazo, que é a mineração, e uma pressão de longo prazo, que é o tamanho do glaciar em si.

Como o Estado deveria se posicionar frente a atores econômicos tão poderosos?

         Tem basicamente dois mecanismos que se unem. Por um lado, a normativa, que é permitir ou não o acesso com uma série de restrições. Por outro, colocar preço. Ou uma combinação de ambos. Se uma floresta não tem preço em pé como floresta, as pessoas terão um incentivo para convertê-la em outra coisa, como centímetros cúbicos de madeira em terra para a agricultura. O que vemos com o avanço da fronteira agropecuária é que não há uma rentabilidade que concorra com outra. O mesmo raciocínio pode ser aplicado à água. Se o glaciar não tem preço até que é água aproveitada na agricultura, não há nenhum incentivo na conservação desse glaciar, nem em mudar o estilo de seu uso. Ao se colocar um preço no glaciar lá em cima, a mineradora teria que fazer as contas entre o que convém mais: pagar pela destruição desse glaciar para consumir esse recurso ou instrumentar o tipo de mineração tradicional que vai por túneis.

O que esta decisão traz para o uso dos recursos?

Desde uma perspectiva histórica, vemos que estamos mudando nossa concepção em relação aos recursos. Tínhamos muito clara uma concepção dos renováveis e dos não renováveis que vamos perder.

Por quê?

Porque pensávamos que uma floresta ou a biodiversidade eram renováveis. Hoje nos damos conta de que as zonas desmatadas se perdem para sempre, que a biodiversidade se perde para sempre, que a alteração dos ciclos hidrológicos e climáticos pode ser que nunca voltem a se normalizar. E que recursos naturais que pareciam infinitos, como a limpeza do ar, a capacidade de carga atmosférica, a infinidade de água potável, não o são. Assim estamos analisando lenta, muito lentamente, os custos que tiveram para as nossas sociedades o fato de ter tocado os limites naturais.

Que iniciativas acredita que deveriam ser tomadas daqui em frente?

Se pensamos que estamos tocando certos limites, se pensamos no esgotamento e no abuso de certos recursos e, ao mesmo tempo, que é preciso garantir certos direitos cidadãos, devemos fechar os círculos com que se financiam estes direitos cidadãos. Isso nos obriga a pensar em uma reforma fiscal, novos recursos, uma taxação de contaminação e no papel e a lógica de certos recursos, para além de serem fontes adicionais de ingresso. No caso da mineração, por exemplo, quando se fala de bens não renováveis, ganha importância o tema dos direitos de acesso por parte daqueles que exploram esse recurso da União em benefício próprio e o que deixam para garantir a reprodução do conjunto da sociedade.

Direito de acesso a que, especificamente?

Direitos de acesso às jazidas petrolíferas, royalties de minerais, direitos de exploração das florestas e poderia se ampliar o conceito até a própria produtividade da terra. Porque em relação à terra se tem a propriedade privada, mas, visto em conjunto, é um dos ativos da União e deve estar a serviço também da lógica da reprodução da sociedade. Nesse sentido, os impostos sobre a rentabilidade da terra, as rendas extraordinárias, ganham outra legitimidade. Nas grandes convenções internacionais aparece o conceito de pagamento por serviço ambiental.

Em que medida a crise mundial impediu o cumprimento das metas do milênio?

       O primeiro problema é orçamentário. Uma crise supõe, entre outras coisas, uma queda abrupta dos ingressos. No caso da América Latina, ao contrário de outras crises, esta não veio pelo lado do mercado financeiro ou pelo descontrole da situação macroeconômica, mas porque se apagaram os motores do consumo internacional, pois basicamente os grandes mercados da América Latina – América do Norte e Europa – pararam. Esses motores diminuíram sua velocidade. Então, o nível de ingressos da região baixou. E esse influxo em termos orçamentários: diminuíram a arrecadação, os níveis de investimento, as fontes de emprego.

Que efeitos este problema orçamentário produz?

Que os mecanismos de redistribuição pela via do Estado se enfraquecem, e se complica o cumprimento das oito metas do milênio. Em nossos países, o déficit na política social, em parte, é compensado com a informalidade e o avanço sobre os recursos naturais: sobre as florestas, sobre a biodiversidade, sobre os recursos costeiros. Hoje, a economia formal é muito dependente dos recursos: se é preciso competir com níveis de rentabilidade anteriores, é um incentivo para acabar mais rapidamente com os recursos naturais. Por todos os lados é um mau negócio para os objetivos do milênio. Mesmo que haja uma diferença em relação a outros momentos.

Qual?

Como a América Latina não tinha um problema estrutural grave, a saída foi relativamente rápida. E os níveis de pobreza, que em outro momento demoraram mais anos para se recuperar que o que demorou o ciclo econômico, hoje estão um pouquinho mais alinhados. Hoje, a região tem mais elementos para se ver a si mesma sólida e capaz, inclusive, de inovar nesta nova economia dos serviços ambientais, dos recursos naturais.

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