domingo, 7 de junho de 2015
sexta-feira, 5 de junho de 2015
A disciplina do amor
Por Lygia Fagundes
Telles
Foi na França, durante a Segunda
Grande guerra: um jovem tinha um cachorro que todos os dias, pontualmente, ia
esperá-lo voltar do trabalho. Postava-se na esquina, um pouco antes das seis da
tarde. Assim que via o dono, ia correndo ao seu encontro e na maior alegria
acompanhava-o com seu passinho saltitante de volta à casa. A vila inteira já
conhecia o cachorro e as pessoas que passavam faziam-lhe festinhas e ele
correspondia, chegava até a correr todo animado atrás dos mais íntimos. Para
logo voltar atento ao seu posto e ali ficar sentado até o momento em que seu
dono apontava lá longe.
Mas eu avisei que o tempo era de guerra,
o jovem foi convocado. Pensa que o cachorro deixou de esperá-lo? Continuou a ir
diariamente até a esquina, fixo o olhar naquele único ponto, a orelha em pé,
atenta ao menor ruído que pudesse indicar a presença do dono bem-amado. Assim
que anoitecia, ele voltava para casa e levava sua vida normal de cachorro, até
chegar o dia seguinte. Então, disciplinadamente, como se tivesse um relógio
preso à pata, voltava ao posto de espera. O jovem morreu num bombardeio, mas no
pequeno coração do cachorro não morreu a esperança. Quiseram prendê-lo,
distraí-lo. Tudo em vão. Quando ia chegando aquela hora ele disparava para o compromisso
assumido, todos os dias.
Todos os dias, com o passar dos anos (a
memór ia dos homens!) as p essoas foram se esquecendo do jovem soldado que não
voltou. Casou-se a noiva com um primo. Os familiares voltaram-se para outros
familiares. Os amigos para outros amigos. Só o cachorro já velhíssimo (era
jovem quando o jovem partiu) continuou a esperá-lo na sua esquina. As pessoas
estranhavam, mas quem esse cachorro está esperando?…Uma tarde (era inverno) ele
lá ficou, o focinho voltado para aquela direção.
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