quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A Floresta que Virou Cinza

  
Instituto Observatório Social lança publicação que denuncia o esquentamento de madeira ilegal no Pará. Um dos chefes do esquema é o vice-prefeito de Anapu, Laudelino Neto, um dos líderes da Máfia da Sudam.



Por Instituto Observatório Social

          Sete anos após ter publicado uma pesquisa histórica sobre a existência de trabalho escravo na cadeia produtiva do aço, o Instituto Observatório Social volta ao Pólo de Carajás, no Pará e mostra como siderúrgicas se beneficiam de processos predatórios para garantir o suprimento de carvão vegetal produzido com madeira retirada de preservação ambiental. Segundo pesquisa financiada pelo governo federal e apresentada em 2010 pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o consumo de toras caiu de 24,5 milhões de metros cúbicos para 14,2 milhões.

       A diminuição da produção, de acordo com a pesquisa, aconteceu por causa do maior rigor no monitoramento do corte e beneficiamento da madeira, mas não significa que a extração ilegal acabou. Agora, operadores de um consórcio do crime formado por empresários, políticos e funcionários públicos corruptos usam documentos falsos para burlar a lei e dar uma aparência legal à madeira. Esta madeira é usada na produção de carvão, que por sua vez será usado para produzir ferro-gusa, a principal matéria-prima do aço.

       Os comandantes do esquema são empresários que trabalham em sintonia com funcionários da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará, fiscais que usam o cargo para forjar documentos e esquentar carvão através de toras retiradas de terras indígenas e de áreas de preservação ambiental, muitas vezes com o uso de trabalhadores escravos. O que faz tudo isso dar certo? A corrupção e as vistas grossas de mineradoras, siderúrgicas e montadoras que não se comprometem a monitorar a sua cadeia produtiva.

        Um dos chefes do esquema é o vice-prefeito da cidade de Anapu, Laudelino Délio Fernandes Neto, um dos líderes da Máfia da Sudam, que desviou milhões de reais de projetos que deveriam beneficiar o desenvolvimento da Amazônia. É o mesmo escândalo que levou para a prisão o ex-senador Jader Barbalho, em 2002, e que nesse ano implodiu a candidatura à presidência da república da atual governadora do Maranhão, Roseana Sarney.

       Em 2009, a então governadora do Pará, Ana Julia Carepa, enviou uma carta a Roberto Messias Franco, presidente do Ibama na época, pedindo o afastamento do delegado Roberto Scarpari, que denunciou a existência deste consórcio do crime. A intervenção da governadora junto ao governo federal foi pedida pelo próprio Délio Fernandes, que ameaçou: "ou deixam a gente trabalhar ou vai parar a exportação de gusa para fabricar aço". A justificativa para que Ana Julia usou para pedir o afastamento do funcionário do Ibama foi que ele era 'contra o desenvolvimento da região'.

      Além de ser um dos líderes da Máfia da Sudam e do esquema de madeira ilegal no Pará, Délio Fernandes foi quem recebeu, na noite do assassinato da freira Dorothy Stang, Viltamiro Moura, mais conhecido como Bida, mandante do crime, meia hora depois da morte da freira.

Devastação ambiental

       A cadeia produtiva do ferro-gusa no Pará é uma das que mais agride o meio ambiente. Estima-se que são desmatados, por ano, até cinco milhões de metros cúbicos de florestas nativas no estado para produção de carvão vegetal. A produção de uma tonelada de ferro-gusa requer 875 kg de carvão vegetal. Para se chegar a essa quantidade, são necessários 2,6 mil kg de madeira seca (que, em média, tem uma densidade de 360 kg/m³ em matas nativas). Ou seja, esta matéria-prima exige o desmatamento de uma área de pelo menos 600 metros quadrados.

Responsabilidade empresarial

       Apesar de ser uma teia complexa que envolve empresas, políticos e órgãos do governo, o esquema se resume a seguinte frase: carvão obtido em atividades predatórias e com uso de trabalho escravo entra na cadeia produtiva de grandes siderúrgicas e das principais montadoras de veículos do mundo.

       De acordo com dados apurados pela reportagem de Marques Casara e Sérgio Vignes, as seguintes mineradoras compram o usa produzido pelas siderúrgicas que usam carvão do desmatamento e do trabalho escravo: Gerdau, ThyssenKrupp, Kohler, Whirlpool Corp, Nucor Corporation e National Material Trading Co. São as maiores do mundo em seus setores. Dessas, uma é brasileira, a Gerdau, que compra o gusa da devastação para abastecer sua planta sediada nos Estados Unidos, a Gallantin Steel, Joint Venture entre a ArcelorMittal e a Gerdau. A reportagem tem cópias de documentos da alfândega norte-americana que comprovam a transação da Gerdau com as siderúrgicas da devastação ambiental.

Histórico

        Em 2004, grandes siderúrgicas da região foram identificadas como financiadoras de carvoarias que usavam trabalhadores escravos na produção de carvão, produto fundamental para a produção do ferro-gusa e do aço. A repercussão da reportagem foi tanta que empresas que se negavam a reconhecer o problema e rever seus processos produtivos foram pressionadas pelo movimento sindical e pela sociedade civil (inclusive por clientes da Europa e dos EUA) e acabaram assinando um inédito Pacto Nacional Pela Erradicação do Trabalho Escravo.

        Na mesma época, foi criado o Instituto Carvão Cidadão, que contribuiu para promover a responsabilidade social e o enfrentamento do trabalho escravo na região. O trabalho de jornalismo investigativo desenvolvido até hoje no Observatório Social tem o objetivo de contribuir para as discussões em torno dos problemas ambientais e trabalhistas que colocam em risco o desenvolvimento justo e sustentável.

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Instituto Observatório Social/EcoAgência

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