terça-feira, 7 de junho de 2011

Como ser vegano na terra do churrasco
Veganismo pode ser considerado uma filosofia de vida: seus adeptos não consomem produtos que tenham origem animal

Allan Chaves, chef do Bonobo, abastece a cozinha do café no Mercado Público
Foto:Genaro Joner / Agencia RBS



           Taís Pereira, 36 anos, é lactovegetariana há sete anos e tornou-se vegana há pouco mais de um. Possui um blog — o Vegan Beauty — sobre cosméticos, produtos de beleza e moda livres de  substâncias de origem animal e cuja marca não realiza testes em animais. O marido de Taís, Márcio Brufatto, se mantém lacto-vegetariano e se desloca de bicicleta em Porto Alegre. Moradores do bairro Floresta, fazem passeios a pé regulares (para jantar na Cidade Baixa, por exemplo). Na casa deles, entra a menor quantidade possível de industrializados, e a decoração, recentemente renovada, tem móveis comprados em briques ou feitos em MDF e reciclados — que ela mesma customizou.
          Seu mais recente sonho de consumo? Um minhocário, para que possa reciclar o próprio lixo orgânico, transformá-lo em adubo para outros fins ou mesmo vender. As poucas informações sobre a vida da Taís permitem algumas pistas sobre aspectos importantes do veganismo (ou do seu atual estágio por aqui), um modo de vida vegetariano que vai além das escolhas alimentares. Os veganos não compactuam com nenhuma forma de exploração animal, são os vegetarianos mais estritos.

As pistas:

           Os veganos estão bastante organizados e ativos. E, para isso, contam com uma grande aliada: a internet. Se antes as dicas sobre onde e o que comer ou comprar eram compartilhadas no boca a boca (ou e-mails restritos), agora estão amplamente divulgadas em blogs, sites, comunidades, todos atualizados de forma regular. A própria ideia colaborativa da web tem tudo a ver com a proposta sustentável e democrática que está no cerne da motivação vegana.
        Cosméticos, esmalte, xampus, pasta de dente, coletor menstrual (oi?)... sim, a variedade de produtos com uma proposta mais sustentável, não-poluente, consciente, "animal friendly"  surpreende.
          Taís vem de uma família vegetariana. Esse fato ajudou na transição para o veganismo.
        O entorno influencia, não tem jeito. Quem virou vegetariano/vegano no meio de uma família ou de um círculo de amigos que jamais questionou o churrasco do final de semana ou o uso indiscriminado do plástico enfrentou dificuldades, você verá nesta reportagem.
         A decisão de abrir mão de todo tipo de carne não vem sozinha. Em nome da coerência, outros questionamentos batem na portinha da consciência, uma hora ou outra. Entre vegetarianos, muita gente usa a bicicleta como meio de transporte.
          O mesmo vale para outros problemas entendidos como grupais cuja culpa não tem uma cara ou um único endereço, é de todos: além da poluição e do maltrato de animais, o destino do lixo também é um desafio com o qual os vegan se sentem comprometidos. Por isso, a Taís planeja um minhocário para sua casa. Faz sentido não causar dor aos animais mas maltratar o ambiente? Não.
        A Cidade Baixa não é uma escolha por acaso nos passeios do casal. Com o Bom Fim e o Centro, é o bairro que concentra a maior parte das opções vegetarianas da Capital. Você não é vegetariano mas se identificou ou simpatizou com as atitudes da Taís, certo? Tornar-se um consumidor mais consciente tem mais do que o charme dos movimentos alternativos. É uma necessidade do planeta. Comedores de carne ou não, com isso é difícil discordar. O ponto é até onde se consegue ir quando o assunto é migrar para hábitos mais sustentáveis. Mesmo que a filosofia vegana esteja fora de questão para você, deixese inspirar pela determinação desse pessoal. Pelo o que elescontaram aqui, a mudança não precisa ser radical. Pode vir aos poucos.

Sempre haverá opções para quem tiver determinação

        Cada um no seu tempo. É assim que o Diogo Celente, 29 anos, explica como tem administrado suas decisões à mesa e de consumo.

— As pessoas já têm dificuldade de entender os vegetarianos, que dirá os veganos. Sempre tem alguma piada, e em geral que já escutamos mais de uma vez. Na minha primeira tentativa, eu era muito novo, muito radical e raramente ia a eventos com cardápio normal — conta.

— Sem embasamento e sem conhecimento tudo vira um discurso vazio. Pretendo seguir o vegetarianismo até que as coisas se tornem mais concretas para mim.

          Enquanto isso, deixa o mundo mais saboroso com os seus sushis — que ele chama de "democráticos", já que todos podem comer. O Diogo faz sushis vegetarianos em Porto Alegre — e revela, com isso, uma outra faceta desse mundo vegano: é comum encontrar quem, se negando a abrir mão do sabor ou fugindo da ditadura da proteína de soja, passou a se aventurar na cozinha (conquistando, inclusive, o paladar dos amigos onívoros). Receitas veganas não faltam — basta um Google para comprovar.

         O chef vegano Alan Chaves, 30 anos, foi um deles:

— Eu sou vegano, mas não sou natureba — avisa.

           Alan, um ex-fã de picanha, do bife com gordurinha, do bacon e da calabresa, gosta de comida com sabor e garante que não vai ser visto só na saladinha. Arroz de carreteiro vegano? Churrasco vegano? Sim, ele sabe fazer. Fez curso e tudo mais. Já vegano, teve de ficar firme nas aulas sobre carnes e derivados. Apesar de uma brincadeirinha ou outra, ganhou o respeito da turma, que nunca o viu fazendo discursos ativistas. Alan tem conquistado simpatizantes para a causa pelo estômago mesmo.

         Alan e Diogo pilotam a cozinha do Bonobo, um café completamente vegano na Cidade Baixa. Lá, tem vezes em que, se chegar de bicicleta, ganha desconto. O Alan nem precisa, mas ele não dispensa as magrelas. Não sabia o que era carro nem quando morou em São Paulo. As idas até Mercado Público — onde os veganos podem se esbaldar nas compras de grãos e condimentos, itens fundamentais — são feitas com ela.

         Outra que para seguir sua vida vegana precisou arregaçar as mangas foi a Mariana Weber, 26 anos. Vegana desde os 18 anos, ela e o marido, vegano também, viraram referência.

— Sou vegetariana desde os 16 anos. Me casei aos 19. Não tinha nada na época. A gente se obrigou a fazer — relembra, fazendo nascer em Novo Hamburgo o restaurante Veg & Tal, único vegano do Vale do Sinos há quatro anos.

          Mariana está afastada do restaurante e das receitas. É que acabou de ganhar nenê: Francisco, de dois meses. Uma gestação vegana que provocou a desconfiança dos médicos. Achavam que, pela dieta da mãe, o garoto poderia nascer magrinho. Nada disso: 3,7 quilos.

— Não tive anemia, suplementei ferro a partir do sexto mês e não precisei suplementar ácido fólico. Meu leite é muito bom, e o Francisco está com sete quilos.

           No enxoval, poucos ajustes. Avisou a família sobre marcas ideais para sabonetes e afins, lava as roupas dele com sabão de côco e prefere algodão e água na hora da higiene. Fraldas de pano? Tentou, mas as descartáveis venceram. O aniversário de 1 aninho? Está garantido com produtos veganos, basta encontrar quem faça, com confiança (e já tem sim! Salgadinho, negrinho, bolo, salsicha... tudo vegano). Mariana e o marido estão convictos: o bebê será criado vegano.

— Pelo menos até os 18 anos — diz ela. —Vai ser natural, somos uma família vegana.

Limite tênue entre a filosofia e o ativismo crente

            Na casa do Cadu Carvalho, o  único produto com origem animal que entra é a ração das gatas Domitila e Consuela, pegas rua (veganos não compram nem vendem animais e jamais convide um para ir a um circo que utilize bichos como atração). Isso porque Cadu ainda não encontrou um substituto vegetariano para elas. Assim que puder, fará a mudança.

           O Cadu é ciclista. Para ele, que já morou em São Paulo e mesmo lá deu um jeito de se deslocar de maneira alternativa, carro em Porto Alegre não faz sentido algum. A Nazareth Hassen, 50 anos, também virou ciclista. "Não veria sentido em me alimentar, e vestir de forma a considerar os interesses dos animais e descuidar destas outras dimensões", explica.

           Viver de acordo com a filosofia vegana é se tornar responsável por mais e mais decisões de consumo.

— Tem uma questão que é ser ativista ou não. O problema é quando cai num estereótipo de crente, uma abordagem que pode afastar as pessoas. Eu prefiro convencer de outra forma. As pessoas que convivem comigo têm certeza de que sou feliz vegano. Sou muito orgulhoso das minhas escolhas — explica Cadu.

         O vegano Marcello Nunes conta:

— Não uso roupas de couro nem de lã; compro minhas roupas em lojas dos shopings da Grande Porto Alegre sem problemas. Tinha até pouco tempo um par de sapatos, uma carteira e um cinto de couro que doei para campanha do agasalho.

          Marcello segue convicto e mudaria mais coisas na sua vida: ainda anda de carro a gasolina, em função do trabalho, mas se tivesse uma opção barata de um carro sustentável, como elétrico ou híbrido, trocaria.

          Abaixo, confira a lista de compras de Marcello. Na sua casa, não entra nada que tenha origem animal. Produtos de empresas que fazem testes em animais também não.

:: Produtos de Limpeza
Sabão em Pó Ypê
Amaciante Ypê
Detergente Ypê

:: Higiene Pessoal
Shampoo Vitalabe
Sabonete Phebo
Creme dental Contente

:: Alimentação
Pão cacetinho - Zaffari e Nacional é sem lactose
Pão Seven Boys Premium Nozes e Castanhas
Margarina Becel
Tofu Defumado Natural Eco (Mercado Público)
Tofu Fresco Natural Eco (Mercado Público)
Tahine Istambul - Pasta de gergelim (Mercado Público)
Marmite - Extrato de Levedura de Cerveja (só qndo algum amigo trás de Londres)
Massa Grano Duro - Barilla ou Zara
PTS - Proteina de soja Grossa, Fina e formato Strogonofe (Mercado Público)
Feijão Preto (Mercado Público)
Feijão Branco (Mercado Público)
Ervilha Partida (Mercado Público)
Grão de bico (Mercado Público)
Lentilha (Mercado Público)
Arroz Cateto Integral (Mercado Público)

:: Hortifruti
Tomate Italiano
Brocolis
Pimentão Amarelo, Vermelho e Verde
Batata Branca
Cenoura
Couve
Couve Flor
Aipim
Banana
Maçã
Manga
Laranja

:: Outros
Castanhas do Pará (Mercado Público)
Amêndoas (Mercado Público)
Molho Shoyu (Mercado Público)
Azeite de Oliva
Óleo de Soja para frituras
Óleo de Milho pra cozinhar
Muitas especiarias (pimenta, curry, cardamomo, feno grego, gergelim, cúrcuma, coentro etc.)
Creme de leite de soja Ades
Leite de Côco Sócoco
Molho de Tomate Funguini
Café Iguaçu
Nescau

:: Bebidas
Leite de Soja Ades
Cerveja Artezanal Coruja (compro na Casa Verde)
Vinho
Gatorade

Dicas

          :: O Mercado Público é uma boa opção, não só pela variedade como pelo preço. As feiras ecológicas também passam, naturalmente, a fazer parte da vida de quem busca um consumo mais consciente. A da José Bonifácio, aos sábados pela manhã, é o destino mais lembrado nesse sentido. Alan Chaves, chef vegano, dá a dica: não subestime a xepa.

          :: Uma alternativa que tem se mostrado cada vez mais variada é a compra pela internet, com sites como o mercadoveg.blogspot.com.

          :: No melhor estilo vegano, os sites são colaborativos. Não deixe de ver este: www.brasilvegano.com.br (um "google maps" com locais de interesse vegano).

        :: Outros sites obrigatórios são os que listam as empresas que não fazem testes em animais e os que apontam os ingredientes animais. Como este www.provegan.com.br e estes: www.pea.org.br/crueldade/testes/lista.htm e www.pea.org.br/curiosidades/curiosidades_ingredientes.htm.
FONTE:    DONNA ZH
          http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?           uf=1&local=1&section=Segundo+Caderno&newsID=a3336168.xml
Por Loraine Luz, Especial

Nenhum comentário:

Postar um comentário