sexta-feira, 10 de junho de 2011

Até a última gota - I
Por Najar Tubino e Luam Tubino
         Sem medir os riscos para o clima do Planeta e as consequências para a população mundial, a indústria petrolífera está disposta a desenterrar até a última gota do ouro negro existente nas profundezas dos oceanos do planeta.



         Desenterrar os mortos nunca foi um propósito adequado para uma civilização. Muito ao contrário. Sempre foi sinônimo de profanação. A espécie humana, principalmente, alguns representantes interessados em negócios fáceis, em ganhar dinheiro rápido, investiram profundamente na profanação. Claro que isso é uma metáfora. Afinal, os mortos são bilhões de toneladas de fitoplâncton, que morreram há milhões de anos e formaram nas profundezas dos oceanos, em locais sem oxigênio, imensas jazidas de petróleo. Um conteúdo cheio de óleo e ceras, que precisa cozinhar entre 100 e 135 graus Celsius, por milhões de anos.
         Um cientista americano, Jeffrey Dukes, da Universidade de Utah, calculou em 100 toneladas de fitoplâncton (massa vegetal) para produzir 4 litros de petróleo. Nesse raciocínio, que envolve a luz solar, responsável pela fotossíntese e o crescimento das plantas, também calculou que em 1997, a humanidade consumiu 422 anos de luz solar fossilizada. Ou algo, como 24 bilhões de barris. Em 2011, o consumo do petróleo aumentará quase dois milhões de barris/dia, deverá alcançar 87,9 milhões barris/dia, conforme os cálculos da Agência Internacional de Energia (IEA).
         Será assim até 2030, conforme outros cálculos de consultorias de empresas petrolíferas, até chegarmos ao consumo de 111 milhões de barris/dia, em 2030. O que corresponderia a uma emissão de gás carbônico muito maior do que as quase 30 bilhões de toneladas de 2008. Seguiremos aumentando em 1,8% o consumo de petróleo, na média mundial embora a China deva crescer o dobro (3,6%). Não é mera coincidência que o maior mercado da indústria automobilística é o chinês, que já ultrapassou os americanos na produção de carros – 13 milhões em 2010.


         O que está muito claro, a esta altura, de infrutíferos debates sobre aquecimento global e mudanças climáticas, é o seguinte: a indústria petrolífera desenterrará até a última gota do ouro negro existente nas profundezas dos oceanos do planeta. Em 2011, tem um número que define o tamanho e a vontade das petrolíferas nesta corrida: US$ 500 bilhões de dólares. É o que as maiores petrolíferas, privadas e estatais, pretendem investir na busca pelo petróleo de águas profundas com sondas, plataformas, tubulações, barcos, navios. O pré-sal brasileiro, que poderá ter 15 bilhões de barris, praticamente as reservas atuais do país, ou até mesmo 30 bilhões, se confirmarem as expectativas sobre o campo de Libra, está nesta conta.

Quem são os maiores

          Mas a história desse cenário é um pouco mais complicada. As antigas 7 irmãs, como eram chamadas as sete maiores empresas petrolíferas privadas, agora são 4: Exxon Mobil, Chevron, Royal Dutch Shell e British Petroleum, renomeada de BP PLC, a responsável pelo vazamento ocorrido em 20 de abril de 2010, quando mais de cinco milhões de barris jorraram pelo Golfo do México.
         O problema é que as empresas estatais cresceram, compraram ou investiram em tecnologia, e aumentaram suas participações na extração de óleo negro. O maior exemplo disso é a Aramco, a Saudi Arabian Oil, empresa da Arábia Saudita, que tem uma reserva de mais de 260 bilhões de barris, a maior do mundo. Onde também está localizado o poço Gahwar, de onde saíram quase 1/7 das reservas mundiais de petróleo. Seguidas pela National Iranian Oil, com seus 136,5 bilhões de barris e a Petróleos de Venezuela (PVDESA), com 99,4 bilhões de barris. A maior petrolífera privada, a Exxon Mobil tem 7,6 bilhões de barris, depois a Chevron com 7,3 bilhões de barris e a Conoco Philips com 5,6 bilhões. A BP e a Shell estão na faixa dos 4,5 bilhões de barris. As duas europeias vivem brigando pelo posto de maior petrolífera do velho continente.
          Pelos cálculos do periódico mundial especializado no setor Oil & Gas Journal, as reservas mundiais de petróleo em 2009 eram de 1,34 trilhão de barris. E, se somássemos o valor de mercado das petrolíferas (50 maiores) daria algo como US$ 3,9 trilhões, e suficiente para bater o valor de mercado de todas as companhias de tecnologia da informação eletrônica, listadas na NASDAQ. As informações são da Consultoria PFC Energy, de Washington. Vamos ver, em valores de mercado, quanto vale cada uma:

Petróleo e guerra

           Todas as empresas de capital aberto, com ações em bolsas. As estatais fechadas como a Aramco e a iraniana, não estão no cálculo. E o que é mais importante, a maioria das empresas privadas não tem aumentado as suas reservas e, por isso, se empenham tanto em buscar a última gota em águas profundas. Na verdade, o único lugar onde as petrolíferas aumentaram a extração, entre 10 e 20%, foi no Iraque. A segunda maior reserva do Oriente Médio, exporta 2,1 milhões de barris/dia, mesmo depois da invasão americana e seus 80 mil mortos civis. As instalações do Iraque, principalmente no sul do país, pelo Golfo Pérsico, onde é mais barato exportar, continuam destruídas, desde a guerra com o Irã, também apoiada pelos Estados Unidos, contra os xiitas. Petróleo e guerra são sinônimos de poder e lucros.
          As quatro empresas que aumentaram a extração foram Exxon, Eni SPA (italiana) e Shell. Até o próximo ano pretendem duplicar a exportação, quatro milhões de barris/dia. Para isso vão investir US$ 1,4 bilhão em navios flutuantes no mar, capazes de armazenar grandes quantidades de petróleo (servem de porto em alto mar), em três oleodutos, além de continuar utilizando o da Turquia, que leva o óleo até o mar Mediterrâneo.
          Petróleo também significa logística e aparato para protegê-la. Por isso, os americanos têm suas bases no Oriente Médio e a sede de um dos comandos no Qatar. Na divisão das reservas mundiais, 56% estão nos países do Oriente Médio, o que significa uma quantidade em torno de 722 bilhões de barris. Os estadunidenses importam 70% do petróleo consumido. Eles diminuíram os gastos nos últimos anos em torno de 4%, mas ainda consomem 19 milhões de barris/dia. Traduzindo: 22% do consumo mundial. Para complementar: 75% dos trabalhadores estadunidenses vão de carro para o trabalho. E 14 milhões de barris/dia são gastos com o transporte.
           Também complementando os dados da logística da guerra: os bombardeios da OTAN, ou seja, dos ricos europeus, na Líbia, têm um significado – 50 bilhões de barris, do outro lado do Mediterrâneo, um petróleo mais leve que o da Arábia Saudita, ou seja, com menos enxofre, muito melhor para produzir combustível de carros, caminhões, navios. Por sinal, a amizade de Silvio Berlusconi com o líbio Muamar Khadafi se traduziu nos maiores contratos para a Eni, a petrolífera italiana, onde o governo da Itália, detém 30% do controle.

Em águas profundas

          No dia 10 de janeiro de 1901, no alto da pequena colina chamada Spindletop, na localidade de Beaumont, no Texas, um solitário garimpeiro chamado All Hamil tentava alcançar uma jazida, que ele ainda não sabia se existia. Já tinha furado 300 metros, uma novidade na época. Até que, finalmente, uma espessa nuvem de gás metano esguichou do buraco e tomou conta do ambiente. “Em seguida veio o líquido”, como relata Tim Flanery, cientista e escritor australiano, em seu livro Os Senhores do Clima, “uma coluna de 6 polegadas de largura que subia centenas de pés no céu de inverno, como uma chuva negra”. Quarenta anos antes, o primeiro poço em terra, havia sido perfurado na Pensilvânia. Desde 1882, Thomas Edison descobriu a utilidade do carvão mineral para produzir eletricidade, ao inaugurar a primeira usina na baixa Manhattan. Duas descobertas trágicas para a atmosfera do planeta.
           O problema é que a tragédia vai aumentar. A busca pelo petróleo abaixo de mil metros, podendo chegar a sete mil metros, é a última sensação da indústria petrolífera mundial. Em 2010, foram produzidas 25 plataformas para extrair petróleo. Em 2011, serão 35. A capacidade mundial de construção de tubulações, que tiram o petróleo do sono profundo no oceano, até a superfície, está toda contratada. A Petrobras é a principal cliente. Nem mesmo o acidente no poço Macondo, na plataforma Deepwater, contratada pela BP, mas de propriedade da Transocean, empresa americana – em 2008, transferiu seus escritórios para a Suíça, por motivos tributários – diminuíram o vigor dos investimentos. Por exemplo, a Halliburton, também americana, especializado na cimentação dos poços, inclusive o que explodiu, teve seus lucros engordados em US$ 1,8 bilhão, a receita subiu 40% para US$ 5,3 bilhões.
           Erle P. Halliburton fundou a empresa como cimentadora de poços em 1919 e, agora, dizem os executivos, descobriram uma nova “tecnologia” para explorar novos poços em terra – a receita cresceu três bilhões de dólares, no primeiro trimestre de 2011. Os ambientalistas dizem que a tecnologia de perfuração contamina a água e o ar, porém, quando se trata de busca pela última gota, isso não tem a mínima importância. Dick Cheney, vice de Bush, trabalhava na empresa.
            Segundo levantamento da Barclays Capital de Londres, quem vai se colocar contra investimentos de 500 bilhões de dólares ao ano, na próxima década, por exemplo, que é o gasto das petrolíferas em águas profundas? Mesmo depois de furar 50 mil poços no Golfo do México, matar 11 pessoas no Macondo e derramar 5 milhões de barris a economia não para. Como escreveu um analista de The Wall Street Journal, recentemente: os países precisam de dinheiro, empregos, energia e as empresas de lucros, e os consumidores de combustível, porque não largam seus carros, não viverão nunca sem eles.

Estrutura gigante

            Vejamos alguns desses investimentos em águas profundas. O Brasil não fabrica sondas de perfuração. O aluguel desse equipamento custa US$ 500 mil por dia. Uma sonda perfura um poço em 3, 4 meses, ou seja, três poços por ano. Uma plataforma de produção, as FSPCO, como eles chamam em inglês, usa de 15 a 20 poços para montar um sistema de produção, como a de Tupi, por exemplo, que começou a produzir 100 mil barris, em outubro de 2010. Cada sistema de produção precisa extrair entre 100 e 180 mil barris/dia. A previsão da Petrobras para o pré-sal é produzir 4,5 milhões de barris em 2020. Como disse o presidente da empresa, Sérgio Gabrielli, “precisamos ter entre 40 e 41 desses sistemas de produção. Cada sistema custa em torno de US$ 3 bilhões. Cada um deles precisa de cinco barcos de apoio (rebocadores, chatas, navio bombeiro). Seriam 200 barcos.”
            Um petroleiro com capacidade máxima para transportar 1,1 milhão de barris (Suez Max) poderia resolver o problema do escoamento. Mas eles não estão disponíveis. Seriam necessários entre 20 e 30 navios, para escoar a produção diária. Por isso, nos próximos quatro anos a Petrobras pretende investir mais de 200 bilhões de dólares. É o maior investimento, entre as petrolíferas, no mundo. Segundo os cálculos de cada 1 dólar investido pela empresa, outros 1,6 a 2,2 dólares correm na economia, por conta dos 55 setores que apóiam a atividade. Então, o negócio salta para 400 a 600 bilhões de dólares.
             São fortunas e mais fortunas. Em 2008, antes da explosão no Golfo do México, o lucro da BP foi de US$ 25 bilhões. Em 2010, fez um caixa de US$ 30 bilhões. A capacidade de extrair lucros do fitoplâncton enterrado a 300 milhões de anos é incrível. Mesmo que para isso, se altere a atmosfera do Planeta e o aquecimento global se torne uma realidade insuportável. Para as petrolíferas ele será benéfico. Proporcionará mais negócios, agora na Groenlândia e no Ártico.

Descongelando o ouro negro

            A Groenlândia, uma ilha de gelo de mais de dois milhões de quilômetros quadrados, vizinha ao Polo Norte, 57 mil habitantes, US$ 2 bilhões de PIB, cuja atividade principal é exportar camarão, ainda recebe quase 600 milhões de dólares de ajuda da Dinamarca, o país dono da área, desde os idos de 1700. Esconde uma fortuna na costa noroeste, na Baía Baffin. O Serviço Geológico dos Estados Unidos calcula que lá existam 31,4 bilhões de barris, e outros 17 bilhões no subsolo do oceano entre a Groenlândia e o Canadá. Pode-se arredondar o bolsão de petróleo para 50 bilhões de barris. O aquecimento reduz o gelo, muda o clima mundial, mas diminui os custos e as dificuldades das petrolíferas, na extração. Junte-se a isso, a vontade das lideranças da Groenlândia, há muito tempo interessadas em ser “independentes” da Dinamarca e está lançada a corrida pelo ouro do Ártico.
            Nessa briga também estão Noruega, Rússia, Estados Unidos, todos reivindicando novas terras para seus territórios. Em 2010, a Groenlândia concedeu sete novas licenças de exploração. Nos próximos dois anos, 12 empresas já se inscreveram. Isso inclui, petrolíferas menores, como a Cairn Energy (inglesa), a Statoil (norueguesa) e a Moeller Maersk, maior empresa de transporte marítimo do mundo, maior números de navios e de contêineres.
            Ou seja, depois das reservas do pré-sal brasileiro, que também incrementou uma corrida das petrolíferas [A BP comprou os ativos da Devon Energy por US$ 7 bilhões em 2010, a Sinochen comprou 40% do campo de Peregrino da Statoil, e a Sinopec comprou 40% da Repsol (espanhola) no Brasil, traduzindo um robusto investimento chinês (inclui mais US$ 10 bilhões de empréstimos à Petrobras)] a Groenlândia é a segunda maior oportunidade. Tem um problema de custo, mas o petróleo acima de 100 dólares o barril (159 litros), viabiliza qualquer exploração. O cálculo é de 30 a 40 dólares, para extrair petróleo de areia betuminosa, como na província de Alberta, no norte do Canadá, ou da pedra de xisto, que os Estados Unidos tem a maior reserva mundial (já exploram 20%). No caso da Groenlândia, 50 dólares é o preço mínimo do barril, que viabiliza a operação. No pré-sal brasileiro, o custo de Tupi ficou abaixo de 45 dólares/barril. O poço pronto para escoar o óleo, que envolve outros seis poços, custou US$ 245 milhões.
            Em setembro de 2010, 300 participantes, de 15 países discutiram a situação do Ártico, na Groenlândia. Por sinal, o governo autônomo da ilha, pretende ficar com 60% do ouro descoberto. No Iraque a taxa é de 95%. Uma comparação interessante sobre o custo de extração de um abril, em terra: na Líbia ele é de 5 a 10 dólares por barril.

A explosão da Deepwater

           A proprietária da plataforma que explodiu no Golfo do México, a Transocean, fundada na Louisiana, em 1926, é uma empresa especializada em alugar plataformas de petróleo para as grandes petrolíferas. Em 2007, ainda comprou a concorrente global Santa Fé por US$ 18 bilhões. Ela aluga 11 plataformas no litoral brasileiro. O número de plataformas marítimas, que atuam a partir dos mil metros de profundidade, aumentou 43% desde 2006, são agora 146. Outras 65 estarão em operação até o final do ano.
           Existe um mecanismo instalado no leito do oceano, faz parte da estrutura da plataforma, que é um conjunto de válvulas, chamadas de blowout preventer ou BOP, são ativadas numa explosão. Lógico que elas não funcionaram no dia 20 de abril. No levantamento dos casos de incidentes com plataformas no Golfo do México, ficou constatado, que depois da fusão das duas empresas 24 dos 33 incidentes estavam relacionados com plataformas da Transocean. Eles continuam acontecendo pelo mundo inteiro.
           The Wall Street Journal fez o levantamento no final do ano passado. Os casos incluíam um vazamento grande na costa australiana, um outro poço fora de controle no Golfo do México, envolvendo a plataforma Lorris Bonzigard. No Mar do Norte, litoral da Noruega, um vazamento de gás numa plataforma de produção quase causou outro acidente do nível da Deepwater. Nas estatísticas analisadas de quatro países, com grandes indústrias de perfuração em alto-mar (EUA, Grã Bretanha, Noruega e Austrália), constavam 28 registros importantes de derramamento de óleo e gás no Golfo do México – 65% a mais do que em 2006. A Agência de Saúde e Segurança do Reino Unido registrou 85 vazamentos sérios de petróleo e gás, no ano encerrado em 31 de março de 2010 – 39% a mais. Na Noruega foram 37 vazamentos. Na Austrália outros 23 derramamentos no primeiro semestre de 2010.
              As empresas argumentam as dificuldades com mão de obra qualificada, de retenção de trabalhadores, em equilibrar as prioridades de segurança com os lucros e com lapsos ocasionais devido à regulamentação frouxa. Além disso, como ressalta o jornal, que é o porta-voz das grandes corporações no mundo, além de ser propriedade do bilionário da mídia Rupert Murdock: “Perfurar em águas profundas é crucial para saciar a crescente sede de combustível do mundo. O potencial retorno, lucro para acionistas das petrolíferas, arrecadação de impostos, emprego e independência energética para o país, é grande demais para conter o avanço dessa atividade. A confiança do setor na própria capacidade de operar com segurança nas instalações de exploração de petróleo e gás no mar segue basicamente inabalada”.

(Esta série continua na próxima edição)

5/6/2011

Najar Tubino é jornalista com mais de 30 anos de carreira. Nos últimos anos tem se dedicado à temática ambiental. É autor do livro O Equilíbrio, publicado em 2005.
E-mail: najartubino@yahoo.com.br
Luam Tubino é economista graduado na Universidade Federal do Rio Grande do Su.
E-mail: luam.tubino@gmail.com

Fonte: ViaPolítica/Os autores
 







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