sábado, 29 de janeiro de 2011

Abaixo o machismo! Viva a libertação da mulher riograndense do sul!

            Nos dias 21 a 23 de janeiro, realizou-se, em Bagé, RS, o 24° Encontro Estadual da Rede Mística Feminina do Meio Popular. Antonio Cechin, irmão marista, miltante dos movimentos sociais, comenta o encontro.

          Antonio Cechin é autor do livro  Empoderamento Popular. Uma pedagogia de libertação. Porto Alegre: Estef, 2010.

           Bons ventos sopraram neste nosso extremo-sul, no fim da semana passada. De 21 a 23 de janeiro aconteceu o 24° Encontro Estadual da Rede Mística Feminina do Meio Popular. Mas de que lado vieram os bons ares?

           Foi lá das bandas de Bagé, da “Rainha da Fronteira”. Trata-se de cidade estratégica que tem tudo a ver com a afirmação do feminino. Isso por causa de um consenso nacional: Bagé é a mais gaúcha de todas as cidades do Rio Grande do Sul. A mais gaúcha de todas? Então é aí que se concentra o que há de mais típico em nossa cultura, tanto no que se refere às qualidades quanto aos defeitos que nos diferenciam como povo face às populações dos demais estados da federação.

           Luís Fernando Verissimo, um dos nossos melhores escritores, em seu livro “O analista de Bagé”, logo no início, com o jeitinho bem brasileiro que o caracteriza e no tom humorístico que lhe é peculiar, nos diz: “Certas cidades não conseguem se livrar da reputação injusta que, por alguma razão, possuem. Algumas das pessoas mais sensíveis e menos grossas que eu conheço vem de Bagé, assim como algumas das menos afetadas são de Pelotas. Mas não adianta. Estas histórias do psicanalista de Bagé são provavelmente apócrifas (como diria o próprio analista de Bagé, história apócrifa é mentira bem educada) mas, pensando bem, ele não poderia vir de outro lugar.”

            Algumas linhas adiante, num primeiro diálogo junto ao divã do psicanalista, o cliente se sai com esta: “Eu não sou de muita frescura. Lá de onde eu venho, carência afetiva é falta de homem.” E por aí vai!... Bota machismo nisso!... 

          As mulheres reunidas em Bagé, começaram por uma pequena síntese histórica da Caminhada da “Mística Feminina” a partir da série dos 24 Encontros Estaduais com seus respectivos Tema e Lema. O título que, a nosso ver traduz suas lutas concretas em seus 30 últimos anos de luta pode ser assim resumido: guerra total contra o machismo em todas as frentes. 

             Em plena ditadura militar, período em que aflorou no Brasil o máximo do machismo, com um intenso trabalho de “formiguinhas”, bem na base da pirâmide social, floresceram as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) nas periferias.

           Canoas, com a construção da refinaria Alberto Pasqualini e em seguida, com o Pólo Petroquímico, foi onde mais se aglomeraram trabalhadores expulsos do campo. As ocupações urbanas proliferaram. As mulheres pobres tornaram-se protagonistas de um movimento de resistência inesperado para garantir o espaço para morar. Assumem seu papel de gestação do novo como Pastoral da Mulher Pobre, organizadas em Clubes de Mães, Pastoral da Criança, Fornos Comunitários, Hortas Comunitárias, Galpões de Catadores, com réplicas no campo em Movimentos como o do MST, dos Pequenos Agricultores, etc. Estão presentes em todos os serviços das CEBs,  chegando mesmo ao detalhe de garantir em todos os setores a presença de mulheres negras. Comunidade Eclesial de Base é sinônimo de Igreja-Feminina pois mais de 90 % das pessoas que dela participam, são mulheres. Isso não só no Rio Grande mas também no Brasil inteiro.

         Em 1997, após dez anos de caminhada como Pastoral da Mulher Pobre, com muitíssimos outros pequenos grupos do Estado na mesma caminhada, passaram a articular-se como  Rede Mística Feminina do Meio Popular (fora até então “Pastoral da Mulher Pobre” até 1988).

           Conseguiram manter acesa a chama da Mística Feminina no meio popular há mais de vinte anos. Prepararam-se para o Novo Milênio articuladas em REDES, isto é, pequenas Comunidades que, ano após ano, através de encontros, trocam experiências, planejam objetivos comuns, buscam assessorias para dar os passos certos na caminhada. Confiando e tecendo um modo novo de ser, no impulso do otimismo do Espírito, cada mulher sente que emerge com uma nova essência: a mulher-comunidade, embalada por um grande entusiasmo.

Se, na história, a libertação dos escravos, Povo de Deus no Egito, começou com a desobediência civil das parteiras às leis do Faraó, hoje, são as delicadas mulheres empobrecidas que devem desafiar os senhores da guerra. E muitas são as formas a que as mulheres organizadas devem recorrer em defesa da vida.

           Geradoras e parteiras da vida, as mulheres da Rede Mística Feminina sentem-se convocadas a “dar à luz” a mil formas de libertar a mãe-terra das violentas agressões do mundo moderno.

            A partir do Fórum Social Mundial, em que se firmou a busca por um novo paradigma civilizatório, é necessário aprofundar a relação masculino-feminino como os dois princípios estruturadores da vida e do dinamismo de toda a criação. Foram desafiadas a iniciar uma verdadeira alfabetização dos princípios feminino e masculino, tanto para as mulheres como para os homens, na busca da unidade humana e cósmica perdida nestes dez mil anos de trajetória da civilização ocidental.

            No enfrentamento desse desafio, além da questão de gênero, também a questão inter-cultural, especialmente afro e indígena ganhou visibilidade. Foram essas culturas principalmente que nos levaram a uma integração das gerações e dos gêneros na busca de um “outro mundo possível”, urgente e necessário.

            Aproximando Vida e Bíblia com outras manifestações religiosas, palavras libertárias foram partilhadas nestes vinte anos, impulsionando as lutas dos movimentos sociais. Constataram, em Bagé, que o fio condutor dos sofrimentos que tiveram ao longo dos últimos 40 anos e das maiores vitórias que tiveram, giram em torno do famigerado machismo.

            Numa primeira etapa tiveram que se engalfinhar com o machismo na esfera familiar. Os maridos, dentro de casa, que com elas tinham vindo para trabalhar na cidade – no tempo da construção do pólo petroquímico na região do Vale dos Sinos – não queriam nada mais delas fora do serviço dentro de casa. Nada de sair por aí em reuniões de qualquer tipo que fosse, mesmo que se tratasse de assuntos caseiros. Grosserias eram assacadas contra elas. Se a reunião fosse na igreja, mesmo que só de mulheres, eram vítimas de tiradas assim: “você casou comigo e não com o padre”; “enquanto eu procuro trabalho, teu lugar é em casa, cuidando dos filhos e preparando comida pra mim”. Até conversas pela janela com vizinhas cheiravam a suspeitas lésbicas. Nos relatos do 24° Encontro não faltou, mesmo que tenha sido a boca pequena, algum caso de arranca-rabo machista entre marido e mulher que culminou com desquite ou divórcio.

           Na caminhada anti-machista, a etapa atual é o verdadeiro encantamento em que nos encontramos neste janeiro de 2011. O 24° Encontro da Rede Mística Feminina, não foi apenas de uma centena de mulheres líderes de todos os cantos do Rio Grande. Foi uma reunião de homens e mulheres de Comunidades Eclesiais de Base e de Movimentos Populares totalmente libertados e libertadas do machismo, onde serviços caseiros, empregos, funções políticas, etc. etc. são exercidos pelos dois sexos em pé de igualdade em qualquer meio social. Maridos totalmente convertidos às suas esposas através de uma emancipação feminina realizada sem medo e com muita dose de coragem.

Além de fazer o ponto dos 24 Encontros da MÍSTICA FEMININA, ao longo dos últimos 24 anos, começou-se em Bagé a refletir, apontando já para o Encontro Jubilar de Prata do Movimento, a celebrar em 2012, sobre o MACHISMO NA CULTURA GAUCHESCA.

            Além de provas desse machismo cultural local – destruição a ferro e fogo do Paraíso Terrestre Missioneiro, degola dos Lanceiros Negros em Porongos pelos Farroupilhas, Ditadura Militar com comandantes gaúchos à frente, etc. – temos a inconcussa prova do que aconteceu ultimamente com a Lei do Desarmamento propugnada pelo presidente Lula. Passamos uma vergonha infinita perante o Brasil inteiro.

         Vieram a público os protagonistas do gauchismo que anda por aí, os tais “tradicionalistas de araque” dizendo que “é da nossa cultura, bem gaúcha, andar de faca na bota e com um revólver 38 preso na guaiaca”. Não deu outra. Os necrófilos ou amantes da morte venceram na base de 80 % dos votantes do plebiscito.

              Oxalá o 25° Encontro, o das Bodas de Prata da Mística Feminina, por todo o ano de 2012, seja de  guerra total contra o machismo cultural e se transforme em verdadeiro tufão a varrer de vez e para todo o sempre, de norte a sul  e de leste a oeste deste nosso “garrão do Brasil” todo e qualquer vestígio de masculinismo excessivo, apelidado simplesmente de machismo.

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