quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Unidades de Conservação como moeda de troca
 
André Alves
Jornalista em Mato Grosso e especialista em Antropologia
Adital
 
          Para que serve mesmo uma unidade de conservação? Esta parece ser uma pergunta recorrente a governantes e políticos em nível federal e também no estado de Mato Grosso. Essa indagação, que só não tem resposta adequada para quem não tem compromisso com a qualidade de vida, ecoa como uma possibilidade política de se fazer concessões.
           Se não for essa a tônica, como aceitar que o governo federal, por meio de um simples decreto reduza três importantes unidades de conservação da Amazônia (Parque Nacional da Amazônia e as Florestas Nacionais de Itaituba 1 e 2) para encontrar menos resistência na construção de duas hidrelétricas? No exemplo mato-grossense o governo estadual, com respaldo da Assembléia Legislativa, faz a desastrosa proposta de "permutar” o Parque Estadual do Araguaia, de 220 mil hectares, localizado entre o Rio das Mortes e Araguaia para os índios Xavante de Marãiwatsédé. Uma proposta que além de ser inconstitucional tem como objetivo garantir a permanência dos invasores na terra indígena.
            O descaso para com as Unidades de Conservação, tanto em relação às de Proteção Integral quanto às de Uso Sustentável poderia parecer pontual. Poderia, mas não é. Em 2003, o hoje senador Blairo Maggi, reduziu o Parque Estadual do Xingu por meio de decreto. No ano seguinte, tentou reduzir em dois terços o Parque Estadual Serra de Ricardo Franco. A alegação era a falta de recursos financeiros para fazer as desapropriações necessárias para garantir a integralidade do parque. Não reduziu, mas o parque, localizado em Vila Bela da Santíssima Trindade, assim como vários outros, encontra-se em estado de abandono, depredado e sem fiscalização.
          Isso sem falar do caso Parque Estadual Cristalino, localizado entre Novo Mundo e Alta Floresta, no norte de Mato Grosso. No ano passado a Secretaria Estadual do Meio Ambiente autorizou a instalação de uma linha de transmissão de energia elétrica do programa Luz para Todos para beneficiar o irmão do governador Silval Barbosa e posseiros que vivem dentro parque. Um ano depois a Sema reconheceu o erro e se comprometeu a "recuperar” o dano.
         Todo esse descaso se traduz em desmatamento. O Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) registrou que 15% do desmatamento ocorrido na Amazônia no mês de junho aconteceu dentro dos limites de unidades que deveriam estar protegidas. E mais, de acordo com o Instituto Socioambiental (ISA) 4.066 quilômetros quadrados foram desmatados entre 2001 e 2009 em áreas protegidas.
         Enquanto isso, uma importante expedição concluída no início deste ano aponta a possível descoberta de duas espécies endêmicas de primatas na Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt, no Noroeste de Mato Grosso. Mas isso praticamente não apareceu na mídia, muito menos teve repercussão política. Salvaguardar as espécies endêmicas é uma dentre as dezenas de funções de uma unidade de conservação, seja ela parque, reserva, estação ecológica, floresta pública, de proteção integral ou de uso sustentável.
         No livro lançado este ano "Contribuição das unidades de conservação para a economia nacional”, do Centro para Monitoramento da Conservação Mundial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP-WCMC), vários números são apresentados para corroborar a importância das áreas protegidas. Estima-se a produção de madeira em tora em áreas manejadas das Florestas Estaduais e Nacionais da Amazônia pode gerar até R$ 2,2 bilhões por ano. Já as reservas extrativistas identificadas na publicação podem gerar anualmente R$ 16,5 milhões em produção de borracha ou R$ 39,2 milhões em castanha-do-Brasil. Isso sem falar no potencial turístico de R$ 1,8 bilhão por ano em visitas aos Parques Nacionais.
         Uma outra conta, considerando o estoque de carbono e a mitigação das mudanças climáticas, em que o mundo inteiro busca alternativas, as unidades de conservação têm um custo de oportunidade estimado que varia entre R$ 2,9 e 5,8 bilhões por ano por desmatamento evitado.
         Analisando do ponto de vista ambiental, social e econômico, as unidades de conservação que nunca tiveram importância devidamente reconhecida estão sofrendo revezes cada vez mais graves. Do ponto de vista politiqueiro, são valiosas moedas de troca para alavancar não somente um modelo de desenvolvimento equivocado, mas também votos de cidadãos mal informados.

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