domingo, 28 de agosto de 2011

Pecuária: o que está por trás do churrasco?

         Parte da carne bovina na Amazônia é produzida através da escravização de trabalhadores e da destruição do meio ambiente. De acordo com o cadastro de empregadores flagrados com mão-de-obra escrava, a conhecida “lista suja” do Ministério do Trabalho e Emprego, mais de 50% das fazendas em que foi encontrado esse crime contra os direitos humanos tinha a criação de bois como principal atividade. Os trabalhadores são contratados para a derrubada de mata e formação de novas pastagens, para a limpeza do pasto e a produção de cercas.
       Ao mesmo tempo, o governo federal e ambientalistas não têm dúvida ao apontar a pecuária como a grande vilã da devastação da Amazônia. O Ministério do Meio Ambiente estima que ao menos 70% das queimadas na região aconteçam para a criação de pastagens. O aumento do rebanho nacional tem acontecido basicamente na maior floresta tropical do mundo, causando impactos ao meio e à sua gente.
       Visualizar Pecuária em um mapa maior
       A pecuária bovina é uma das mais importantes atividades econômicas do Brasil. O país concentra o maior rebanho comercial do mundo, com 205 milhões de cabeças de gado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A criação de bovinos para corte ou para produção de leite ocupa aproximadamente 200 milhões (do total de 250 milhões) de hectares das terras destinadas atualmente a atividades agrícolas.
       Na pauta de exportações, o chamado “Complexo Carnes” aparece – ao lado da soja, do açúcar e do etanol – entre os principais produtos brasileiros comercializados no mercado externo. Só em 2010, as vendas de carne bovina atingiram a astronômica cifra de US$ 5 bilhões, um aumento de quase 20% em relação ao ano anterior, quando os efeitos da tempestade provocada pela crise financeira ainda se faziam sentir no mercado internacional.
       Abastecemos  mais de uma centena de países, desde a vizinha Venezuela, passando pela gigante Rússia até o Oriente Médio, os produtores nacionais ainda precisam abrir as portas de mercados importantes, como o do Japão, o da Coréia do Sul e de alguns países da União Européia. Os Estados Unidos, por exemplo, não compram carne in natura, apenas alimentos enlatados. Entre os principais entraves figuram as barreiras sanitárias, já que o Brasil ainda não extinguiu definitivamente doenças como a febre aftosa em todo o seu território.
         Mas existem outros desafios não menos preocupantes que estão longe de ser superados. Problemas trabalhistas e ambientais já representam sérios obstáculos às exportações de carne bovina. Um deles diz respeito à erradicação do trabalho escravo da cadeia produtiva da pecuária. Segundo o cadastro de empregadores flagrados com mão-de-obra escrava, a conhecida “lista suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que relaciona o nome dos empregadores que incorreram nesse crime, mais de 50% das fazendas em que foi encontrado esse tipo de mão de obra tinha a criação de bois como principal atividade. Os trabalhadores são contratados principalmente para a derrubada de mata e para a formação de novas pastagens, na limpeza do pasto e na produção de cercas.
       Outra questão grave é o desmatamento. Governo e ambientalistas não têm dúvida ao apontar a pecuária como a grande vilã da devastação da Amazônia. O próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA) estima que ao menos 70% das queimadas na região aconteçam para a abertura de pastos. A verdade é que o aumento do rebanho nacional tem acontecido principalmente na Amazônia. Segundo um levantamento da ONG Amigos da Terra, existem três bois para cada habitante nos estados que compõem a maior floresta do mundo – e a Amazônia já concentra ao menos 40% do contingente de bovinos de todo o país.
       Para tentar reverter esse quadro, entidades da sociedade civil e órgãos do poder público vêm se mobilizando para depurar as cadeias produtivas dos frigoríficos brasileiros. Uma das iniciativas mais importantes foi a criação do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, em maio de 2005, baseado nos estudos de cadeia produtiva da ONG Repórter Brasil – que já mapearam mais de 600 fazendas e carvoarias desde 2003. Atualmente, mais de 150 empresas e associações assinam o documento, comprometendo-se a cortar relações com fornecedores que comprovadamente se valeram dessa forma de exploração ilegal de mão-de-obra.
        Além do Pacto Nacional e do Pacto da Pecuária do “Conexões Sustentáveis”, lançado em 2008, existem ainda outras iniciativas que demonstram como a cadeia produtiva da carne bovina vem sendo objeto de intenso monitoramento. No primeiro semestre de 2009, o Greenpeace lançou um estudo chamado de a “A farra do boi na Amazônia”, vinculando o desmatamento da floresta para a criação de gado a gigantes do ramo alimentício que compram a carne e a grifes mundialmente reconhecidas que utilizam o couro dos animais para a fabricação de roupas e calçados. Como resultado da pesquisa, os quatro maiores frigoríficos do país – Bertin e JBS-Friboi, que anunciaram a fusão de suas operações em setembro de 2009, além de Marfrig e Minerva – assinaram um compromisso público para filtrar sua relação de fornecedores.
       Ao mesmo tempo em que o estudo do Greenpeace era divulgado, o Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA) também divulgou um levantamento relacionando crimes ambientais à pecuária bovina e moveu ações civis públicas argumentando que os frigoríficos do estado seriam co-responsáveis pelas infrações cometidas por seus fornecedores. Intimadas pelo órgão, as principais redes de supermercado que atuam no país suspenderam temporariamente a compra de carne bovina do Pará. A campanha do MPF, batizada de “Carne Legal”, ganhou ampla repercussão em todo o país e inclui a assinatura de temos de ajustamento de conduta e compromissos com governos estaduais, municipais e frigoríficos.
       Ficou acordado que, além de se comprometerem a não comprar de fazendas com problemas socioambientais e que estejam em áreas indígenas, quilombolas e de unidades de conservação, os frigoríficos também passariam a exigir que seus fornecedores dessem entrada no processo de licenciamento ambiental de suas propriedades. Como resultado das negociações, o JBS Friboi passou até a disponibilizar em seu site a lista com os seus fornecedores instalados no Pará.
        A vigorosa expansão das atividades dos frigoríficos brasileiros, nos últimos anos, deve-se em boa medida por ação direta do governo federal – principalmente através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O banco estatal de fomento entrou na composição de capital dessas empresas, injetando mais de R$ 12 bilhões em frigoríficos com forte atuação na Amazônia. Em outubro de 2010, um relatório do Tribunal de Contas da União fez severas críticas a essa política que, segundo o TCU, não foi acompanhada das devidas salvaguardas ambientais. Mas a entrada do BNDES no capital de grandes frigoríficos para fortalecer a indústria nacional e turbinar as exportações não é vista com maus olhos apenas por ambientalistas. Hoje, os dez principais frigoríficos do país são responsáveis 30% do abate de reses, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne, uma concentração de mercado bastante preocupante.
FONTE:


Nenhum comentário:

Postar um comentário