sexta-feira, 25 de março de 2011

Notas para um manifesto da esquerda no século XXI

Pablo González Casanova
Sociólogo. Reitor da UNAM (Universidade Nacional do México)
Adital
Tradução: ADITAL
         Um clamor ressoa em todo o mundo. Todos queremos liberdade; todos sonhamos com a democracia. Que nos deem, que a façamos, que a apóiem e, sobretudo, que lutemos por ela.
         Porém, com quem lutaremos? Ao lado e com o amparo de quem queremos lutar? Com quem contamos e queremos contar?
        Obviamente, não queremos apoiar-nos em quem treina seus soldados para que, ao grito de liberdade, invadam, destrocem e saqueiem povos inteiros e, sem piedade alguma, causem danos horripilantes a mulheres, crianças, jovens e idosos, com o pretexto de que estão lutando contra os que, duirante anos e anos, mereceram seu imenso apoio em armas, dinheiro, negócios, publicidade e diplomacia.
           Não queremos apoiar-nos em quem tem atacado por todos os meios ao seu alcance, incluídos os bloqueios, as tentativas de magnicídio, as pragas, os golpes de Estado, as invasões militares e paramilitares, as falsas e cruéis guerras contra um narcotráfico (que lhes serve como gigantesco negócio para lavar dinheiro com altos juros aos governos aliados que são seus clientes na compra de armas de médio e alto poder, iguais ou inferiores às que também vendem aos narcotraficantes; que lhes serve para mediatizar a ira do povo empobrecido por suas políticas privatizadoras e especuladoras e para embarcar aos jovens dessa América em falsas lutas de máfias que lhes fazem perder –com sua identidade e seus vínculos sociais e familiares- o sentido da vida e o sentido da luta,e com o qual perdem a sua própria juventude, à jovem América que protestara em Chicago contra a guerra no Vietnam e se manifestara a favor dos afroamericanos e dos habitantes e movimentos sociais do Terceiro Mundo dos quais o Che Guevara foi o ícone e que hoje constituem o principal mercado de narcóticos do mundo, com que se destroçam). Não queremos apoiar-nos na luta pela liberdade com o exército que defendeu a Mubarak durante anos, que o imperialismo também apoiou; nem com os aviões da OTAN, que durante anos tem destruído o Iraque e o Afeganistão. Não queremos coincidir com os que declararam uma guerra total contra o povo e o governo de Cuba; com quem tem feito todo o possível para dividir e enfrentar ao povo e ao governo da Venezuela; com quem apoiou e apóia a secessão e a desestabilização da República da Bolívia.
         E também porque devemos denunciar o fato de que as potências imperialistas, encabeçadas pelos Estados Unidos e pela OTAN, estão aplicando a velha tática de mediatizar os movimentos emancipatórios do povo para colocar seus exércitos servis como libertadores do povo e que durante anos têm contribuído para oprimi-los. Será que podemos esquecer essa velha armadilha que foi aplicada contra nossos povos há mais de um século e meio e que hoje está na ordem do dia nos novos golpes legais de Estado e nas novas lutas pela liberdade e pela democracia de um imperialismo que cada vez mais oprime e despoja nossos povos e que somente apóia aos governos que fazem crescentes concessões a suas empresas extrativistas e depredadoras?
          Esclareçamos de uma vez por todas que a liberdade e a democracia que queremos são as que o imperialismo declarou seu principal inimigo, apesar de querer, novamente, jogar com os equívocos e dizer que luta pelo mesmo que nós lutamos. Mentira! Nós queremos uma democracia na qual o povo governe e na qual os governantes sirvam ao povo, governem com o povo e se reintegrem ao povo quando termine seu mandato. Nós queremos uma democracia onde haja espaços de diálogo, debate e consenso ao longo de toda a nação, com respeito às distintas religiões, ideologias, culturas, raças, sexos, idades. Nós queremos uma liberdade de pensar, de estudar, de decidir; não sujeita à fome e à miséria da imensa maioria da população humana em benefício de 200 multimilionários que, juntos, têm o ingresso nacional da Alemanha e, em separado, o de muitos países do sul do mundo. É essa a democracia que eles querem? É essa a liberdade que dizem defender? Claro que não!... Porém, há algo mais que eles não querem: a justiça. Nós queremos a justiça à pessoa humana; porém, vejamos onde estão os nomeados direitos do home pelos quais eles declaram ter lutado. Nós estamos pela justiça social, e vejamos como impuseram suas políticas privatizadoras, desnacionalizadoras e desreguladoras que têm acabado com os direitos das nações, dos povos e dos trabalhadores. E mais: nós queremos que a justiça social seja feita pelos povos, que os povos governem no uso da democracia e que os povos e seus integrantes façam justiça pessoal, façam justiça familiar, social, trabalhista, política, cultural, econômica e que a justiça social seja própria do fazer e do quefazer dos povos e não de senhores pseudo generosos ou pseudo humanitários. A essa justiça social que os povos exerçam no uso real da democracia denominamos ‘Socialismo do Século XXI', pois não concebemos o socialismo sem o governo do povo, pelo povo e para o povo, e menos o socialismo sem a liberdade. E eles? Os pseudos e os oportunistas aliados do povo da Líbia que estão bombardeando ao povo da Líbia, querem essa liberdade, essa democracia e essa justiça que nós queremos? Claro que não! Porém, são uns notáveis farsantes que confundem e enganam com fingidos ideais.
         Por nossa parte, temos que esclarecer não somente o que queremos, mas como pensamos realizar e até que ponto, em meio às diferenças que se dão entre os que lutamos bem ou mal pela emancipação humana e que lutamos em distintos países e condições...; até que ponto, em meio às nossas diferenças, podemos encontrar algumas políticas coincidentes que nos ajudem a respeitar as distintas posições que temos a reserva de que a evolução das lutas vá unificando critérios e experiências. A esse respeito, o primeiro é não exigir que todos tenham a mesma posição que temos. O segundo, é dar razões pelas quais em um momento e situação dados tomamos a posição que outros não partilham. O terceiro é ver se as razões de uma toma de posição se confirmam ou não pela experiência.
             Assinalemos como ponto de partida uma política global do imperialismo neoconservador e neoliberal. Desde o grito de Tatcher, afirmando que não há alternativa, os complexos empresariais-militares que dominam o mundo têm aplicado a política do não negociável às medidas de desnacionalização, privatização e desregulação através das quais têm empobrecido sistematicamente a todos os povos do mundo, inclusive aos metropolitanos. Essa política do não negociável está vinculada à destruição dos direitos políticos, trabalhistas e sociais que implicavam em uma distribuição do produto global e do produto nacional, de maneira menos desigual e injusta do que atualmente existe no qual as nações pobres são mais pobres que há 30 anos e o número dos cidadãos e trabalhadores pobres e depauperados cresceu de maneira dramática.
           A política do não negociável acabou com a capacidade dos partidos políticos e das organizações sociais e trabalhistas para protestar, pressionar e negociar para o cumprimento de direitos e prestações sociais: liquidou de fato os direitos da Carta Magna de cada país e da Carta Magna das Nações Unidas em direitos humanos e em direitos de não intervenção e livre autodeterminação dos povos. A política do não negociável tem feito da violação do direito a prática do direito. E isso acontece com a prática do direito internacional, público, social, trabalhista ou civil. O mais freqüente é usar o direito para criminalizar às vítimas e em usá-lo ao arbítrio dos chefes e patrões.
          Ao mesmo tempo e em vez de reconhecer os direitos políticos e sociais que tantos gastos implicavam, se generalizaram as políticas de cooptação e corrupção de funcionários públicos, de partidos políticos e governos inteiros para que apliquem as medidas neoliberais contra o oferecido nos ideários de partidos e candidatos. O desprestígio da democracia eleitoral e parlamentar é tão grande como o da imensa maioria dos partidos de esquerda e inclui aos candidatos socialdemocratas, socialistas, comunistas, nacionalistas, desenvolvi8mentistas, que, tendo nomes distintos fazem políticas neoliberais iguais... com o cinismo e a fúria de quem somente luta para ter postos de eleição popular.
         A tão lastimosa situação de um mundo que parece ter acabado com a possibilidade das lutas legais efetivas, agrega-se o imenso desastre da restauração do capitalismo no bloco soviético, China e Vietnam, onde os antigos comunistas renegam seus antigos heróis ou os invocam dizendo que estão atualizando e modernizando seu pensamento e que somente os conservadores se opõem ao seu avançado pensamento.
        Para lutar, devemos recordar esses e outros grandes tropeços e ver como estão sendo superados entre líderes e massas, dando crescente atenção às palavras consequentes, às condutas coerentes, aos líderes que igualam com a vida o pensamento, como o comandante Fidel Castro.
        Temos que destacar o programa de paz mundial do governo venezuelano e a nova luta bolivariana que livra pelo socialismo do século XXI, buscando resolver as contradições que enfrenta como a organização e a conscientização crescente do povo em um projeto que não repita a história passada -das revoluções nacionais e sociais que se tornaram populistas e acabaram reintegrando-se ao sistema neocolonial-, hoje neoliberal.
       Temos que destacar a luta pelo viver bem do povo e do governo da Bolívia, pois se trata de um programa que, falando da Bolívia, fala do mundo.
        Em outro âmbito, o dos governos que mandam obedecendo às comunidades, aparece um programa que é também de alcance universal e riquíssimo em metas e meios, como o movimento zapatista dos povos maias, que lutam e constroem outro mundo possível no sudeste mexicano.
       Ao mesmo tempo, necessitamos estender a mão a outros governos progressistas que, entre contradições, estão apoiando uma política de paz e de respeito às nações e aos povos, e se não os apoiamos em tudo, devemos apoiá-los nas lutas pela liberdade, pela justiça, pela democracia, pela paz; e façamos com que possam ver que uma condição evidente para o triunfo radica em que seus governos e suas políticas sejam governos e políticas de todo o povo e que sobre esse princípio político indeclinável devem enfrentar o acosso das oligarquias, do capital monopólico e do imperialismo com medidas que levem a aprofundar a democracia e a economia de todo o povo.
        Em qualquer caso, procuremos que nossas diferenças internas sejam resolvidas de forma que não nos tribalizem e nos tornem novas vítimas da velha política colonialista que aproveita as lutas internas para as intervenções externas, colonizadoras e recolonizadoras.
        A responsabilidade que temos na América Latina é imensa, pois o Novo Mundo sairá do Novo Mundo que já mostra sua grandeza, enriquecida por todos os projetos de emancipação humana.

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