sábado, 25 de dezembro de 2010

Ana Primavesi - "Eles vão destruir tudo"


 Considerada a pioneira de agroecologia ou agricultura natural no País, a austríaca Ana Primavesi é uma das mais renomadas cientistas do planeta quando o assunto é o uso do solo e práticas sustentáveis de plantio, temas cada vez mais recorrentes em tempos de mudanças climáticas e fome no mundo. Aos 90 anos, falou à Folha Universal no seminário internacional “Crise de subsistência dos produtores rurais: alimentação ameaçada pelas mudanças climáticas”, realizado recentemente em Belo Horizonte (MG) pela associação suíça independente Media21. A agrônoma, que estudou o uso de solos nas universidades de Viena (Austria) e de de Santa Maria (RS), mantém uma agenda de palestras pelo mundo. Ela fala com propriedade sobre práticas agrícolas sem uso do veneno e não hesita em alertar para os riscos da agricultura industrial.

1 – O que é a agroecologia?
Eco quer dizer lugar. Agroecologia é quando consideramos todos os fatores que existem em um lugar: água, terra, clima, trabalho, tudo. É preciso fazer agricultura do modo mais natural possível. Em princípio, a natureza já produz o máximo. Se eu começo a modificá-la, em um momento pode até ser que produza mais, mas depois vem a destruição.

2 – Empresas de fertilizantes, agrotóxicos e transgênicos dizem que só com agroecologia não dá para produzir comida para todos. Dá? Ao contrário, com a agroecologia você produz mais. O problema é que essas empresas não entendem a produção. A visão deles é limitada. Eles trabalham apenas com um fator. Com modificações você pode conseguir algumas colheitas maiores, mas depois vem o fracasso. Por um tempo talvez funcione, mas a natureza vai buscar o equilíbrio. Se estragarmos o solo, e ele deixar de ser permeável, teremos enchentes e desastres naturais. É preciso ver a relação entre as coisas.

3 – E os transgênicos? O que acha de modificar geneticamente as plantas para produzir mais?
Não é necessário. Na natureza tudo está ligado, um fator se encaixa no outro. Se você muda um fator, ele deixa de se encaixar e isso causa um desequilíbrio difícil de controlar. A natureza já produz o máximo possível dentro das condições que existem. Se você modificar, pode ser que produza mais, mas afetará outros fatores.

4 – E o argumento de que a seleção de sementes que os camponeses fazem há séculos já é uma alteração na natureza? Dá para comparar? É uma alteração, mas tem que ver o quanto altera. Isso é feito há milhares de anos e é bem diferente. Na China, graças a essa seleção, havia 14 mil variedades de arroz, cada região tinha a sua. Aí criaram um arroz hibrido e ficaram seis variedades que, se as condições forem favoráveis, podem produzir mais. O problema é que, se não forem favoráveis, se as seis fracassarem, vem a fome.


5 – É possível recuperar tais variedades de sementes?
Na Indonésia, havia 36 mil variedades e deixaram apenas três que produziam mais. Em um ano em que as condições não foram favoráveis veio a fome. O governo procurou as antigas, mas restavam cinco ou seis. O resto, resultado da seleção de milhares de anos, foi perdido. A história não é bem como contam. Quando tudo vai bem, pode ser que produzam mais, mas nem sempre é assim. Os transgênicos não são solução, apesar de as empresas fazerem uma pressão violenta.

6 – As empresas que hoje trabalham com transgênicos são as da indústria química. Como vê isso? São empresas que querem uma agricultura com o máximo de químicos para terem lucro. Falam que com os transgênicos será possível produzir sem veneno, mas não é o que temos visto.

7 – O Brasil é hoje o país que mais usa veneno na agricultura, não?
Sim e isso não é animador. Temos visto jacarés, que por estarem na água são os primeiros afetados, tendo deformações nas patas, nos genitais. A situação é grave. Os agricultores brasileiros usam porque são incentivados. Nos anos 1960 e 1970, milhares de representantes comerciais norte-americanos vieram para o Brasil vender este tipo de agricultura. Eles se apresentavam como acadêmicos, mas depois descobrimos que eram vendedores. As pessoas adoram ouvir “especialistas”.
8 – Representantes das empresas?
Isso. São pessoas que enxergam primeiro o dinheiro e, depois, talvez a nutrição. Só que a população está aumentando e a área de plantio é cada vez menor. Precisamos de produção máxima em área mínima e para isso é preciso reforma agrária. Há propriedades de milhares de hectares. No Mato Grosso, uma pessoa tem 320 mil hectares. Ele vai cuidar da terra? Vai se preocupar em produzir o máximo? Não. Essas grandes propriedades nem tratoristas têm, os tratores andam por rádio.

9 – A senhora é contra máquinas? Não, mas sou contra a supermecanização, tratores teleguiados que fazem de tudo, analisam o solo, adubam. Para produzir é preciso sentir a terra. Quando fui para a Chapada Diamantina (BA), conheci agricultores que me disseram que estavam pobres porque eram analfabetos. Veja bem, a agricultura não depende da escrita. Expliquei a eles que deveriam observar e trocar experiências. Encontrei com eles 3 anos depois e haviam prosperado. A questão principal é essa: observar e pensar. Temos um presidente que não tem curso superior, não é? O nosso problema é achar que somos burros e não sabemos nada.

10 – E o futuro?
Eles vão destruir tudo e no fim teremos que começar de novo. Querem modificar tudo de modo que a indústria tenha lucro, mas a natureza não é só para lucro. Isso é complicado e perigoso. Se as coisas continuarem assim, a consequência será a destruição dos solos e o aquecimento global cada vez pior. Falam que a agroecologia é antiquada, é passado. Mas nunca vai ser. Eco é lugar, é preciso cuidar do lugar em que estamos. Agroecologia sempre será moderna.

Por Daniel Santini
Enviado especial a Belo Horizonte*
daniel.santini@folhauniversal.com.br


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