sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014



OS VERDADEIROS VILÕES DA PRAIA

Por Swami Fonseca

Nós iremos pisotear bem a areia deixando a nossa pegada. Andaremos aos bandos reunidos em famílias. Faremos muito barulho e o que sobrar deixaremos ali mesmo para o mar levar. Vamos impregnar toda orla com a nossa presença competindo por cada centímetro na areia. Mas não nascemos na praia e ela é somente de passagem porque o que queremos é um território ao Sol. Nosso som alto avisa o clã que pertencemos e poderá incomodar os desavisados, mas mesmo assim não sairemos dali, porque a praia é somente nossa. Somos os vilões da praia porque ameaçamos o descanso, o silêncio e ignoramos a melodia das suas ondas. O registro do que somos e do que comemos fazemos questão de deixar para todos verem. Somos bárbaros porque tudo que está a nossa volta é nosso e de mais ninguém. Mas ainda podemos ser muito piores quando abandonamos nosso melhor amigo ali mesmo na praia debaixo do Sol escaldante sem ter para onde ir e em meio a milhares de carros. Justamente porque não queremos mais compromisso de cuidar de alguém que não seja nós mesmos. Só queremos usufruir ao máximo a vida e o nosso próximo é o nosso “eu”. Nosso Deus virou dinheiro e edificamos a Sociedade do Descarte num império materialista. Somos capazes de valorizar mais uma lata de cerveja do que aquele amigo de quatro patas deixado para trás. Mentimos para nós mesmos que aquele cão abandonado ficará bem e instantes depois já esquecemos que ele sequer existiu. E enquanto isso assistimos televisão para nos entreter e ouvir que os vilões do verão são os cães abandonados por nós dias atrás. A mídia inventa os culpados e simula o júri popular e as vítimas – os cães – não têm direito a defesa. Enquanto isso os verdadeiros vilões acomodados aguardam o próximo noticiário afoitos por trágicas notícias. Mas a lista de criminalizações não pára: são micoses, mordidas e tudo que for manipulável para estigmatizar quem não pode se defender. Esperar o quê se fizeram o mesmo com os da própria espécie durante a escravidão, onde os negros eram acusados de transmitir doenças. Eles nem ao menos sabiam da acusação porque não compreendiam o português, apenas reconheciam as ações e os olhares de repulsa.

           Grande vilão humano que não foi para o tribunal por crime de abandono e de tornar insalubre a praia de todos com seu lixo. Não, ao contrário se perigar ele reza para dar uma de bom moçinho enquanto o seu ex animalzinho de estimação é mau tratado, atropelado ou morto de fome e sede na praia disputada por centenas de vilões humanos. Só que nesse enredo de criminalização da vítima é ocultado a grande fonte de poluição das praias, que são as ligações clandestinas de esgoto na rede pluvial feita pela própria população. Isso acontece em todo o litoral brasileiro e uma das maiores fontes de contaminação por coliformes fecais causando diarréias e várias doenças parasitárias. Infelizmente aquele cãozinho abandonado virou o bode expiatório de todos os verões fruto da insensibilidade humana e reproduzida pela mídia tendenciosa e instituições que deveriam apontar a verdadeira fonte de contaminação.    Mas ao contrário preferem as amenidades fúteis do que enfrentar e resolver o problema que a décadas se reproduz com o aumento da população humana.


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