domingo, 27 de março de 2011

Energia nuclear é ambientalmente sustentável?

Entrevista especial com David Fig IHU

          “Os cidadãos permitiram que os governos assumissem responsabilidade excessiva na escolha das tecnologias. Isto precisa ser mais politicizado e contestado”, alerta o autor do livro Uranium Road, em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail.
         Na avaliação do economista sul-africano, além de não resolver os problemas da crise climática, os investimentos em usinas nucleares geram problemas futuros em relação aos resíduos radioativos e “criam dilemas relativos à segurança, impedem investimentos em opções mais limpas e seguras de energia renovável”.
        Ele alerta ainda que a energia nuclear é perigosa em função da sua complexidade. “Quando algo dá errado, dá muito errado para milhões de pessoas. Ela mata, contamina, esteriliza áreas enormes para outro tipo de desenvolvimento. (...) Não sabemos como lidar com os resíduos de longa duração, já que temos de isolar do meio ambiente por um período de tempo muito mais longo do que a história da civilização humana”.
          Para o pesquisador, o setor nuclear é altamente oneroso e “só faz sentido do ponto de vista financeiro quando é altamente subsidiado pelo Estado”. Com vistas ao que aconteceu no Japão, Fig sugere que os governos pensem na implantação de tecnologias menos destrutivas e descentralizadas. “Dar às pessoas empregos e controle em nível mais local significa que somos menos vulneráveis ao mau planejamento no nível central”.
        David Fig, de nacionalidade sul-africana, é mestre em Relações Internacionais e doutor em Economia Internacional pela London School of Economics. Os seus livros mais recentes são Uranium Road: Questioning South Africa’s Nuclear Direction (Jacana, 2005) e Staking their Claims: Corporate Social and Environmental Responsibility in South Africa (UKZN Press, 2007).
Confira a entrevista.
         IHU On-Line - Quais são seus argumentos para não se investir em energia nuclear?
        David Fig - A mais recente experiência japonesa mostra mais uma vez que essa forma de energia é, muitas vezes, complexa e perigosa demais em termos de manuseio, mesmo que pensemos que ela é segura. Quando algo dá errado, dá muito errado para milhões de pessoas. Ela mata, contamina, esteriliza áreas enormes para outro tipo de desenvolvimento. Não há dose segura de radiação. Não sabemos como lidar com os resíduos de longa duração, já que temos de isolar do meio ambiente por um período de tempo muito mais longo do que a história da civilização humana. Também é injusto deixar essa questão para que as gerações futuras a resolvam. 
        O setor nuclear é altamente dispendioso e, em geral, só faz sentido do ponto de vista financeiro quando é altamente subsidiada pelo Estado e quando o seguro de responsabilidade civil não é pago. O setor é notório por ultrapassar o custo e o cronograma de construção. Ele exige um gigantesco aparato de segurança, que acarreta um comprometimento de nossas democracias conquistadas a duras penas e abre as portas para abuso, tráfico e proliferação de armas.
        Apesar do que afirma o setor, ele não é favorável em relação ao carbono: a mineração, usinagem, conversão para gás, enriquecimento, fabricação de combustíveis, reprocessamento, construção de reatores e desmantelamento implicam emissões intensivas de carbono. E, finalmente, desenvolvemos alternativas significativamente mais limpas; portanto, recorramos a elas para obter um futuro mais verde e mais limpo.
         IHU On-Line - A explosão de usinas no Japão reacendeu o debate acerca da segurança das usinas nucleares. O senhor acredita que o mundo terá outra posição diante deste acontecimento?
         David Fig - O mundo já está começando a reconsiderar a opção pelo urânio. A Alemanha está repensando a vida de seus reatores a longo prazo. Outros países a seguirão.
         As dificuldades enfrentadas atualmente por vendedores de equipamentos nucleares vão aumentar. A experiência japonesa terá o efeito de um tsunami para o setor da indústria nuclear. É provável que o cancelamento de pedidos aumente à medida que a confiança global na opção nuclear diminuir.
        IHU On-Line - Como o senhor reagiu diante do anúncio de vários países que pretendem repensar a política nuclear? Será que eles não tinham dimensão do que significa uma energia nuclear?
        David Fig - A intensidade do desastre no Japão chegou até o público e provocou um reexame das políticas governamentais. É claro que os governos de direita e de centro conhecem os riscos da energia nuclear, mas são constantemente seduzidos pelo setor, que tem um lobby poderoso. Em meu país, a África do Sul, o CEO da Areva, a empresa nuclear francesa, tem assento no conselho para investimentos internacionais de nosso presidente. Nosso presidente, que esteve na França recentemente, assinou acordos para negócios de energia nuclear com aquele país. Nós já operamos dois reatores franceses, e nosso governo anunciou que pretende triplicar o número de usinas para ampliar a rede. Isto é altamente inapropriado, porque nossa concessionária pública recebeu a permissão de aumentar o preço da eletricidade em 200% ao longo de três anos. Precisamos servir nosso povo com tecnologias que ele próprio possa controlar – aumentando o número de empregos para instalação, conserto e manutenção em nível local –, em vez de criar apenas alguns poucos empregos de alto nível para engenheiros nucleares importados.
         IHU On-Line - O que leva diversos países a optarem por uma política de energia nuclear?
        David Fig - Servir ao interesse dos usuários de maior porte (mineração, fundição etc.), e não do povo como um todo. Ser corrompidos e seduzidos por noções de nacionalismo tecnológico. Pôr de lado uma gama de argumentos válidos em favor do uso de tecnologias mais simples e mais limpas. Beneficiar-se de transações nucleares (comissões e subornos). Alguns países, como a África do Sul da era do Apartheid, usaram a aquisição do setor de energia nuclear como disfarce para adquirir alguns dos outros passos na cadeia da produção de combustível nuclear (conversão, enriquecimento) a fim de fabricar armas nucleares.
        IHU On-Line - O investimento em energia nuclear é uma tentativa de os países investirem também em armas nucleares?
          David Fig - Não em todos os casos. Mas os países que estão perto do estágio nuclear precisam ser observados, especialmente quando investem em enriquecimento, conversão e peças de reprocessamento da cadeia do combustível. Isso torna possível desviar material para a produção de armas.
         IHU On-Line - Qual é o ônus econômico desse modelo energético para a sociedade?
David Fig - 1) Grande investimento numa produção de energia muito centralizada;
2) dependência energética, especialmente em relação aos países fornecedores dos reatores nucleares (treinamento, peças, consertos, tecnologia);
3) investimento elevado no aparato de segurança para impedir a proliferação e o tráfico;
4) necessidade de uma capacidade regulatória considerável, com os custos daí decorrentes;
5) criação de poucos empregos de alto nível (com altos custos de formação em nível local ou no exterior), em contraposição às formas de energia renovável, em que os empregos e a formação custam menos e podem ser disseminados com mais eficácia por toda a sociedade, especialmente nas sociedades que necessitam de empregos;
6) custo do isolamento de resíduos de alto nível (por exemplo, barras de combustível) em relação ao meio ambiente por 244 mil anos e outros custos implicados no tratamento dos resíduos e da contaminação;
7) custos decorrentes da perda de oportunidades de optar por soluções de energia limpa.
IHU On-Line – Como o senhor vê a relação entre as usinas nucleares, que segundo os governos, são necessárias para alavancar o crescimento econômico e, por outro lado, a preocupação ambiental posta neste século?
        David Fig - As usinas de energia nuclear não conseguem resolver a crise climática, criam problemas de longo prazo para a destinação de resíduos radioativos de alto nível, têm o potencial de contaminar suas regiões e o planeta de maneira mais ampla. Elas também criam dilemas relativos à segurança e impedem investimentos em opções mais limpas e seguras de energia renovável.
         IHU On-Line – Quais os desafios de investir uma economia de baixo carbono na conjuntura atual?
        David Fig - Persuadir as instâncias tomadoras de decisão de que a energia nuclear não é uma alternativa de baixo carbono e de que outras formas de energia – incluindo as renováveis – podem servir muito adequadamente para fornecer a demanda de carga básica. Qualquer outro tipo de apoio à energia nuclear se baseia em considerações ideológicas, e não lógicas. A energia nuclear não é de carbono tão baixo assim porque, embora não crie emissões de carbono no reator, a mineração e muitas das outras partes da cadeia do combustível são extremamente intensivas em termos de carbono.
        IHU On-Line - O mundo inteiro investe em energia nuclear e agora, diante da crise no Japão, os países estão recuando. Como vê esse medo mundial?
         David Fig - É uma reação lógica à inevitável rejeição política que sempre se segue a acidentes de vulto (como ocorreu depois de Chernobyl). Nós ainda não presenciamos todo o horror do desastre no Japão, em que provavelmente milhões de pessoas a mais ficarão expostas a altas doses de radiação.
      IHU On-Line - Qual a segurança de uma usina nuclear?
      David Fig - Os construtores só podem tomar certas medidas para garantir a segurança, mas um acidente que segue seu próprio curso é extremamente difícil de controlar.
       IHU On-Line - Quais os principais riscos de contaminação por meio da usina nuclear? Sempre há risco de contaminação por radiação ou depende da distância da usina em relação à população?
     David Fig - A distância é um dos fatores, mas ela pode ser superada pelo vento, pela propagação da radiação através da cadeia alimentar e por outras vias de exposição.
        IHU On-Line - Seria o caso de o mundo pensar em alternativas como energias descentralizadas? Qual a viabilidade?
        David Fig - Claro que sim. Alternativas para a energia nuclear e fóssil são vitais para nossa sobrevivência. Precisamos dotar não apenas algum controle central de reguladores eficientes, mas também permitir que diferentes modalidades de energia façam parte da rede ou matriz energética. Dar às pessoas empregos e controle em nível mais local significa que somos menos vulneráveis ao mau planejamento no nível central.
        IHU On-Line - Alguns especialistas brasileiros argumentaram, num primeiro momento, que, no Brasil, as usinas não representavam o mesmo risco que as do Japão, pois no país não ocorrem terremotos e tsunami. É um argumento válido?
       David Fig - Além das catástrofes naturais, não há reatores que estejam imunes ao erro humano, e o Brasil tampouco pode reivindicar tal imunidade. Os riscos talvez sejam diferentes, mas os resultados podem ser graves (Three Mile Island em 1979, Chernobyl em 1986, Tokaimura em 1999).
        Por que simplesmente esperar que o Brasil seja acrescentado a essa lista? Cancelem o programa nuclear brasileiro agora. Por que contaminar uma dos mais belos e biodiversificados países na face da terra?
        IHU On-Line - O mundo todo está apreensivo diante das explosões das usinas nucleares no Japão. Pensando na relação ser humano/técnica, é possível dizer que o homem criou um instrumento perigoso e agora não consegue controlá-lo?
       David Fig - Os cidadãos permitiram que os governos assumissem responsabilidade excessiva na escolha das tecnologias. Isto precisa ser mais politicizado e contestado. Precisamos assegurar que tecnologias menos destrutivas sejam privilegiadas em relação às que têm a capacidade de contaminar o planeta. Seja na área da energia ou da agricultura, deveríamos ter diretrizes definidas de comum acordo para evitar que os governos escolham opções insustentáveis em nosso nome.
Para ler mais:
  • 7 argumentos contra energia nuclear
  • Leia a revista IHU On-Line desta semana, que discutirá o tema da energia nuclear. A revista estará disponível, nesta página, amanhã, segunda-feira, a partir das 17h, em html, pdf e 'versão para folhear'.

Jovem Pan: Cachorro japonês comove o país ao ajudar outro cão ferido

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sábado, 26 de março de 2011

Revolta de trabalhadores em obras do PAC preocupa Planalto | Agencia Brasil

Revolta de trabalhadores em obras do PAC preocupa Planalto Agencia Brasil
Dom Erwin Kräutler entregou representação contra UHE Belo Monte

        Durante o encontro, o presidente do Cimi e bispo do Xingu realizou denúncia á vice-procuradora Geral da República sobre as irregularidades que margeiam o empreendimento

          Na tarde de hoje, 25, dom Erwin Kräutler, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e bispo do Xingu (PA) entregou à vice-procuradora Geral da República e procuradora Geral em exercício, doutora Débora Duprat, representação denunciando irregularidades que margeiam o projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte. Entre as denúncias está a utilização de má fé do conteúdo das reuniões informativas realizadas com as comunidades indígenas ameaçadas pela UHE, convertendo-as em falsas oitivas indígenas.

          De acordo com o cacique Zé Carlos Arara, o grupo assinou a ata do encontro justamente para comprovar que não era oitiva indígena, para provar que era uma reunião de fechamento de um trabalho realizado junto com a comunidade. No entanto, o governo prova mais uma vez seus desmandos, propalando, provavelmente com base nesses documentos, ter realizado as oitivas junto aos povos indígenas da região.

        O documento será entregue a partir das 15 horas na Procuradoria Geral da República.

Carta aberta

         Ainda esta manhã, dom Erwin emitiu carta aberta à opinião pública nacional e internacional, denunciando esta e demais irregularidades que envolvem o empreendimento, previsto para ser construído no rio Xingu, Pará. Além das falsas oitivas indígenas alardeadas pelo governo, o documento revela a preocupação e questionamentos em relação à obra, que trará impactos a diversas comunidades indígenas, ribeirinhas e camponesas da região.


          A obra atingirá, especialmente, os municípios de Altamira, Anapu, Brasil Novo, Porto de Moz, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu. Muitos moradores dessas localidades ficarão sem água em decorrência da redução do volume hídrico; o número das populações crescerá mais que 100%. Altamira tem atualmente uma população de 105 mil pessoas. Como ficará o acesso a serviços básicos de saúde, educação, segurança e saneamento básico com a duplicação desse número?
       Para dom Erwin, nenhuma 'condicionante' será capaz de justificar a UHE Belo Monte. "Jamais aceitaremos esse projeto de morte. Continuaremos a apoiar a luta dos povos do Xingu contra a construção desse “monumento à insanidade”, afirma.

Leia a íntegra do documento

BELO MONTE: O DIÁLOGO QUE NÃO HOUVE

         Carta aberta à Opinião Pública Nacional e Internacional:
          Venho mais uma vez manifestar-me publicamente em relação ao projeto do Governo Federal de construir a Usina Hidrelétrica Belo Monte cujas consequências irreversíveis atingirão especialmente os municípios paraenses de Altamira, Anapu, Brasil Novo, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Vitória do Xingu e os povos indígenas da região.
         Como Bispo do Xingu e presidente do Cimi, solicitei uma audiência com a Presidente Dilma Rousseff para apresentar-lhe, à viva voz, nossas preocupações, questionamentos e todos os motivos que corroboram nossa posição contra Belo Monte. Lamento profundamente não ter sido recebido.
         Diferentemente do que foi solicitado, o Governo me propôs um encontro com o Ministro de Estado da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. No entanto, o Senhor Ministro declarou na última quarta-feira, 16 de março, em Brasília, diante de mais de uma centena de lideranças sociais e eclesiais, participantes de um Simpósio Sobre Mudanças Climáticas que “há no governo uma convicção firmada e fundada que tem que haver Belo Monte, que é possível, que é viável... Então, eu não vou dizer prá Dilma não fazer Belo Monte, porque eu acho que Belo Monte vai ter que ser construída”.
        Esse posicionamento evidencia mais uma vez que ao Governo só interessa comunicar-nos as decisões tomadas, negando-nos qualquer diálogo aberto e substancial. Assim, uma reunião com o Ministro de Estado Gilberto Carvalho não faz nenhum sentido, razão pela qual resolvi declinar do convite.
        Nestes últimos anos não medimos esforços para estabelecer um canal de diálogo com o Governo brasileiro acerca deste projeto. Infelizmente, constatamos que esse almejado diálogo foi inviabilizado já desde o início. As duas audiências realizadas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 19 de março e 22 de julho de 2009, não passaram de formalidades. Na segunda audiência, o ex-presidente nos prometeu que os representantes do setor energético, com brevidade, apresentariam uma resposta aos bem fundamentados questionamentos técnicos feitos à obra pelo Dr. Célio Bermann, professor do curso de pós-graduação em energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. Essa resposta nunca foi dada, como também nunca foram levados em conta os argumentos técnicos contidos na Nota Pública do Painel de Especialistas, composto por 40 cientistas, pesquisadores e professores universitários.
        Observamos, pelo contrário, na sequência a essas audiências, que técnicos do Ibama reclamaram estar sob pressão política para concluir com maior rapidez os seus pareceres e emitir a Licença Prévia para a construção da usina. Tais pressões políticas são de conhecimento público e motivaram, inclusive, a demissão de diversos diretores e presidentes do órgão ambiental oficial. Em seguida, foi concedida uma "Licença Específica", não prevista na legislação ambiental brasileira, para a instalação do canteiro de obras.
        No dia 8 de fevereiro de 2011, povos indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores e representantes de diversas organizações da sociedade realizaram uma manifestação pública em frente ao Palácio do Planalto. Na ocasião, foi entregue um abaixo-assinado contrário à obra, contendo mais de 600 mil assinaturas. Embora houvessem solicitado uma audiência com bastante antecedência, não foram recebidos pela Presidente. Conseguiram apenas entregar ao ministro substituto da Secretaria Geral da Presidência, Rogério Sottili, uma carta em que apontaram uma série de argumentos para justificar o posicionamento contrário à obra. O ministro prometeu mais uma vez o diálogo e considerou a carta "um relato que prezo, talvez um dos mais importantes da minha relação política no Governo (...) vou levar este relato, esta carta, este manifesto de vocês, os reclamos de vocês...". Até o momento, nenhuma resposta!
        As quatro audiências - realizadas em Altamira, Brasil Novo, Vitória do Xingu e Belém - não passaram de mero formalismo para chancelar decisões já tomadas pelo Governo e cumprir um protocolo. A maioria da população ameaçada não conseguiu se fazer presente. Pessoas contrárias à obra que conseguiram chegar aos locais das audiências não tiveram oportunidade real de participação e manifestação, devido ao descabido aparato bélico montado pela Polícia.
       Até o presente momento, os índios não foram ouvidos. As "oitivas" indígenas não aconteceram. Algumas reuniões foram realizadas com o objetivo de informar os índios sobre a Usina. Os indígenas que fizeram constar em ata sua posição contrária à UHE Belo Monte foram tranquilizados por funcionários da Funai que as "oitivas" seriam realizadas posteriormente. Para surpresa de todos nós, as atas das reuniões informativas foram publicadas pelo Governo de maneira fraudulenta em um documento intitulado "Oitivas Indígenas". Esse fato foi denunciado pelos indígenas que participaram das reuniões. Com base nestas denúncias, peticionamos à Procuradoria Geral da República investigação e tomada de providências cabíveis.
       A tese defendida pelo Sr. Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), de que as aldeias indígenas não serão afetadas pela UHE Belo Monte, por não serem inundadas, é mera tentativa de confundir a opinião pública. Ocorrerá justamente o contrário: os habitantes, tanto nas aldeias como na margem do rio, ficarão praticamente sem água, em decorrência da redução do volume hídrico. Ora, esses povos vivem da pesca e da agricultura familiar e utilizam o rio para se locomover. Como chegarão a Altamira para fazer compras ou levar doentes, quando um paredão de 1.620 metros de comprimento e de 93 metros de altura for erguido diante deles?
        Julgo fundamental esclarecer que não há nenhum estudo sobre o impacto que sofrerão os municípios à jusante, Senador José Porfírio e Porto de Moz, como também sobre a qualidade da água do reservatório a ser formado. Qual será o futuro de Altamira, com uma população atual de 105 mil habitantes, ao ser transformada numa península margeada por um lago podre e morto? Os atingidos pela barragem de Tucuruí tiveram que abandonar a região por causa de inúmeras pragas de mosquitos e doenças endêmicas. Mas os tecnocratas e políticos que vivem na capital federal, simplesmente menosprezam a possibilidade de que o mesmo venha a acontecer em Altamira.
            Alertamos a sociedade nacional e internacional que Belo Monte está sendo alicerçada na ilegalidade e na negação de diálogo com as populações atingidas, correndo o risco de ser construída sob o império da força armada, a exemplo do que vem ocorrendo com a Transposição das águas do rio São Francisco, no nordeste do país. 
          O Governo Federal, no caso da construção da UHE Belo Monte, será diretamente responsável pela desgraça que desabará sobre a região do Xingu e sobre toda a Amazônia. 
         Por fim, declaramos que nenhuma “condicionante” será capaz de justificar a UHE Belo Monte. Jamais aceitaremos esse projeto de morte. Continuaremos a apoiar a luta dos povos do Xingu contra a construção desse “monumento à insanidade”.

Brasília, 25 de março de 2011
Dom Erwin Kräutler
Bispo do Xingu e Presidente do
Cimi – Conselho Indigenista Missionário

FONTE:

Motivos para não aprovar a proposta do novo Código Florestal

Motivos para não aprovar a proposta do novo Código Florestal

sexta-feira, 25 de março de 2011

Revista Fórum

MEIO DE OCULTAÇÃO DA INFORMAÇÃO


Revista Fórum

Estado tem 483 casos suspeitos de dengue

Estado tem 483 casos suspeitos de dengue
Agronegócio apropria-se da crise alimentar para aprovar novo Código Florestal

por Valéria Nader,
 da Redação ( Correio da Cidadania )

          A ‘tropa de choque’ do agronegócio deve contar, a partir de agora, com um de seus mais poderosos interlocutores em um dos veículos de maior visibilidade e circulação do país, o jornal Folha de S. Paulo. Kátia Abreu, a senadora do DEM que se destaca como uma das figuras mais famosas e entusiastas da bancada ruralista no Congresso, passará a escrever quinzenalmente no diário.  
         O tema escolhido para a estréia de sua coluna no caderno Mercado, no último sábado, 19 de março, não foi nada gratuito. Em uma conjuntura em que volta a se insinuar fortemente no cenário mundial a crise alimentar, com falta de produtos e conseqüente aumento de preços, a senadora fez veemente artigo em defesa da reforma do Código Florestal.
 
Trata-se de texto habilíssimo na captura do momento adequado para desferir sua bateria de argumentos em favor do agronegócio.  
O pulo do gato  
         Em introdução ao seu texto, Kátia Abreu enumera superficialmente os fatores que nos últimos meses vêm sendo apontados por vários estudiosos como deflagradores dessa crise. Evita, desta forma, possíveis acusações de desconhecimento do fenômeno a partir de suas causas multifatoriais. Depois disso, passa ao que realmente pretende: o estabelecimento de um vínculo ‘direto’ e ‘indiscutível’ entre o atual Código Florestal e a crise de alimentos.  
         Para a senadora, a especulação nos mercados futuros de produtos agrícolas não tem praticamente nada que ver com o aumento atual dos preços dos alimentos. Convencida dos poderes do livre mercado na solução dos desajustes entre oferta e demanda, as cotações dos produtos não se descolariam desse fundamento básico a não ser por períodos curtos. Quanto aos fatores climáticos, seriam reais, mas não determinantes, uma vez que, para Kátia Abreu, o mercado também se encarregaria de estabelecer os vasos comunicantes entre "grãos e carnes produzidos hoje em tantas latitudes diferentes".
 
        O único motivo que, no espectro da senadora, explicaria a atual subida de preços seria "a demanda nas regiões pobres do mundo, em especial na Ásia, onde centenas de milhões de pessoas estão saindo da miséria e comendo mais, comendo melhor". Neste cenário determinístico e unidirecional, em que o problema é o excesso de demanda, a solução não poderia, obviamente, ser outra: o aumento da oferta, com maior produção de grãos, carnes e frutas.  
        Aqui vem o pulo do gato. Conforme Kátia Abreu, os últimos governos compreenderam a importância de não ceder a deletérias tentações intervencionistas, como controle de preços e formação de estoques. Contudo, ainda viveríamos sob o império de leis retrógradas, anteriores à revolução agrícola dos anos 70. Este seria o caso do Código Florestal, um obstáculo, para ela, à expansão da produção agrícola e, portanto, da oferta tão necessária em meio a uma conjuntura de crise alimentar. Urgente, portanto, se faria sua ‘revisão’ e ‘atualização’, o que não implicaria em desmatamento - faz questão de ressalvar a senadora -, mas apenas na regularização de áreas de produção abertas com ‘grande sacrifício e elevados custos’.
 
Crise alimentar e a complexidade de causas  
        O discurso da senadora não chega a ser surpreendente em um país em que a causa ruralista não raramente se impõe no cenário econômico e político. Em um momento anterior de agravamento da crise alimentar, em 2008, o então governador do Mato Grosso e hoje também senador, Blairo Maggi, chegou a sugerir o aumento do desmatamento legal como uma saída para se lidar com as altas de preços. Nada muito diferente do que aquilo que propõe agora a senadora, mesmo que de modo, sem dúvida alguma, muito mais engenhoso.  
          Já naquele momento, o geógrafo e professor aposentado da USP Ariovaldo Umbelino, em artigos variados na imprensa e em entrevista ao Correio da Cidadania, ressaltava o desatino por trás dessa abordagem. Num país que tem 120 milhões de hectares de terras comprovadamente improdutivas, registradas no próprio cadastro do Incra, e que não faz uma reforma agrária porque o governo não quer, esta avaliação deveria ser encarada como uma loucura do modelo do agronegócio. Enfatizava ainda Umbelino as causas multifatoriais que desde então estavam em jogo: a começar pelos fatores conjunturais, como o aumento do preço do petróleo, até aqueles estruturais, relacionados às novas modalidades em curso de organização da produção capitalista.  
          Ainda que a melhoria das condições econômicas em países de grande população, sobretudo China e Índia, tenha ampliado a importação de alimentos, repercutindo sobre a elevação dos preços, essa não era, e não é, a principal razão para esta elevação, como se quer fazer crer no Brasil, e como pretende a senadora.  
           No início da década de 90, houve uma mudança evidente na sistemática da produção e comercialização de alimentos, com o aprofundamento do modelo neoliberal e a imposição das novas regras da OMC (Organização Mundial de Comércio), baseadas no livre comércio e na regulação pelo mercado. A partir de então, abolida a regulamentação para o mercado de commodities, contratos de compra e venda de alimentos puderam ser transformados em derivativos de várias espécies, sem qualquer vínculo com as atividades agrícolas.  
          Daí à especulação com os alimentos foi somente um instante. Desde o ouro e o petróleo, até alimentos básicos como soja, café e açúcar, tornaram-se todos commodities globais negociáveis nos mercados futuros.
 
          Fato é que a especulação com commodities de alimentos tem sido alimentada com ferocidade crescente após a explosão da crise do ‘subprime’ (hipotecas ‘podres’) nos EUA, a qual evoluiu para a crise financeira mundial de 2008. Aproveitando-se da desregulamentação de preços nos mercados globais de commodities, os mesmos investidores cujas transações financeiras resultaram na crise de 2008 correram em busca de negócios mais seguros, entre os quais estava o de alimentos. Boa parte dos fundos de investimentos foi dirigida, assim, à compra de commodities (mercado de futuro), o que acelerou a redução de estoques de alimentos, com impactos diretos nos preços.  
Uma avaliação e seus múltiplos interlocutores 
          Em face desta discussão, é bom assumir uma postura de precaução contra eventuais e previsíveis acusações de ‘parcialidade’. Não são somente os estudiosos e especialistas de visão dita mais progressista, ligados a causas agrárias e aos movimentos sociais, não raramente tidos como ‘jurássicos’, que trazem estas noções à tona. Vejamos.
 
          Segundo apontado por Francisco López Ollés, especialista em matérias-primas e divisas, citado por Belén Carreño em Público.es no dia 7 de março, "não há praticamente outro produto no qual investir neste momento cuja procura real seja tão clara, isto é, que tenha tão bons fundamentos (...) No final, tudo isto é resultado das operações dos bancos centrais para que haja mais liquidez nos mercados (conhecido como quantitative easing). O dinheiro tem que procurar rentabilidade em algum lado", conclui.  
        Para Paulo Picchetti, doutor em Economia pela Universidade de Illinois e professor da EESP/FGV (Fundação Getulio Vargas), em artigo no caderno Mercado da Folha de S. Paulo no dia 19 de fevereiro, "qualquer novo anúncio de previsão de queda de produtividade é seguido por um movimento intenso de preços nos mercados à vista e de futuros. Nesse último, principalmente, o comportamento especulativo passa a ser apontado como fator adicional de pressão sobre os preços dos alimentos".  
        Como um exemplo dessa apreciação de Picchetti, Belén Carreño narra um caso muito revelador: "um só hedge fund tem agarrados pelo pescoço há meses todos os produtores de chocolate do mundo. O fundo Armajaro, dirigido por um conhecido executivo britânico, Anthony Ward (...), comprou no passado mês de julho 240.000 toneladas de cacau, o equivalente a 7% da produção mundial, numa só operação. A compra, que se fez no mercado Euronext, onde não há limites sobre este tipo de matéria, disparou o preço do cacau até aos seus máximos desde 1977. As milhares de toneladas de cacau continuam acumuladas (...) nos armazéns de Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã. Ward apostou no cacau, já que um dos seus principais produtores, a Costa do Marfim, está praticamente em guerra civil, com o que escasseará o produto em breve".  
          De acordo ainda com artigo de John Vidal para o The Observer, traduzido para o site Carta Maior por Wilson Sobrinho em 2 de março, "Olivier de Schutter, Relator da ONU para o Direito à Alimentação, não tem dúvidas de que especuladores estão por trás do aumento de preços. Ele diz que ‘os preços do trigo, do milho e do arroz têm aumentado de modo significante, mas isso não está ligado a estoques ou colheitas ruins, mas sim a negociantes reagindo a informações e especulações do mercado’".  
        Lembremos, ademais, que em 2008, quando chamado a depor no Senado norte-americano para dar explicações sobre suas atividades especulativas, foi o próprio George Soros quem admitiu os efeitos altamente desestabilizadores da especulação para o preço das matérias-primas! Efeitos desestabilizadores esses que podem, inclusive, ser sentidos bem perto de nós.  
         No plano do mercado interno brasileiro, os alimentos básicos da população brasileira, como arroz, feijão e mandioca, não têm aumento significativo da produção desde 1992, conforme já ressalvou por diversas vezes o geógrafo Ariovaldo Umbelino. O feijão chegou até mesmo a faltar no mercado nacional. Por um lado, trata-se de distorção resultante de uma política agrícola que não permite que os produtores, especialmente os pequenos, reponham até mesmo os seus custos de produção. De outro lado, está a própria especulação, com seus impactos sobre os deslocamentos de terras dos cultivos menos lucrativos em direção àqueles que são a menina dos olhos do mercado internacional. Como, por exemplo, a cana-de-açúcar, a base de nosso tão prestigiado etanol, e que tem novamente tornado as regiões sul e sudeste em um extenso canavial.  
         Ressalte-se o controle oligopólico que algumas poucas empresas possuem atualmente sobre o comércio agrícola mundial. Com seu poder quase absoluto na imposição de preços, independentemente dos reais custos de produção, estas empresas potencializam os efeitos deletérios da ciranda especulativa sobre a oferta e os preços dos alimentos.  
          Finalmente, em face dessas circunstâncias reais e pouco animadoras, fiquemos atentos ao alerta de Umbelino. Segundo o geógrafo, "somos o único país do mundo em que se prega essa tese maluca do neoliberalismo, de que comida tem de ser oferecida no mercado a quem puder pagar mais. Isso tira do país a possibilidade de obter uma mínima segurança alimentar, nem digo soberania. O mercado de alimento não pode sobreviver ao mercado livre. Seguir essa trilha é colocar em risco a possibilidade de sobrevivência da humanidade. O mercado não é capaz de regular nada, exceto as vantagens dos capitalistas. E o problema da fome está aí, para demonstrar essa incapacidade".  
Coragem ou costas quentes?  
            Em meio a tamanhas catástrofes naturais, no Brasil e no mundo - a mais recente delas a tragédia ambiental e humana que abate o Japão -, deve-se admitir que a senadora Kátia Abreu teve muita coragem para tecer uma argumentação com o naipe acima narrado. Afinal, não é preciso ser especialista para intuir que a diminuição das áreas de reservas naturais e de proteção permanente em nossas matas, objetivo da revisão do Código Florestal, terá, inelutavelmente, repercussões negativas sobre o clima e o meio ambiente. Mas quando se pensa na rede de colaborações e cumplicidade na qual está enredada a senadora, parece não estar envolvida assim tanta coragem.  
          O movimento de alinhamento da mídia grande com interesses conservadores ligados a poderosos lobbies e grupos econômicos, na grande maioria das vezes reforçando a impossibilidade de a população discernir e defender seus interesses básicos, não é mais novidade. Até mesmo nos órgãos que se auto-intitulam como progressistas, que teoricamente prezam a comunicação democrática e a apresentação das diversas opiniões em jogo no tratamento de um tema, tem sido a cada dia mais escancarado o posicionamento em favor do lado que de fato lhes interessa. O ‘caminho único’ impõe-se com evidência crescente.  
            A Folha é aqui um exemplo significativo. Sempre sorrateira em suas articulações, de modo a poder preservar o caro discurso sobre seu progressismo, tem tido bem menos peias ultimamente na demonstração de seu verdadeiro caráter. A recente transformação de seu caderno Dinheiro em Mercado, com a dispensa de colunistas capazes de tecer considerações mais amplas e profundas sobre a economia nacional e internacional, e sua substituição por nomes, quando não mercadistas, ligados a grupos de interesses muito específicos, escancaram de modo contundente o seu verdadeiro viés. A demissão, há alguns meses, do renomado economista Paulo Nogueira Batista Júnior, e a estréia de nomes como Antonio Palloci, hoje menina dos olhos do sistema financeiro, e agora de Kátia Abreu, dispensam maiores comentários.  
          Mais alarmante, no entanto, do que o apoio que figuras como a da senadora encontram na mídia é a constatação inequívoca do suporte que vem do próprio governo a estas posturas. Para aqueles que acompanham de perto a conjuntura agrária e agrícola do país e os movimentos sociais a ela associada, não é estranho o fato de que os números advindos do governo Lula indicam privilégio aos grandes produtores e obras polêmicas. Os pequenos produtores, a promessa de uma efetiva reforma agrária e a postura de respeito verdadeiro ao meio ambiente foram lançados às calendas. E nada indica, por sua vez, que o novo governo vá traçar rumos diferenciados.  
          Rumos inusitados estão fora de perspectiva não somente pelo fato de ser o novo governo apoiado pelo anterior, cuja presidente eleita foi praticamente arremetida ao Planalto pelas mãos de Lula. No clima de lua de mel com o público típico dos inícios de mandatos, e enquanto ainda se pode surfar na estupenda popularidade deixada por Lula, algumas sugestivas medidas foram anunciadas. Elas devem dar o tom da preocupação com o que vem pela frente.  
         Para além das políticas gerais já em andamento, como o maior arrocho na economia, a partir de restrições orçamentárias e elevações das taxas de juros, há outras providências mais específicas e de menor visibilidade. Em sintonia com o estilo tecnocrático da nova presidente, está em estudo, por exemplo, um ‘choque de gestão’ na área de licenciamento ambiental. Buscam-se regras mais simples, além de prazos menores e redução de custos para os investidores, com o objetivo imediato de acelerar a aprovação às grandes obras do PAC (o Plano de Aceleração do Crescimento), a maioria delas envolta em consideráveis polêmicas sociais e ambientais.  
      É neste tipo de ‘providências’ aparentemente mais prosaicas que se deve ficar de olho... A partir delas, o governo - que ainda se pretende e se auto-intitula ‘popular’ - poderá encontrar os artifícios para aprofundar a inexorável rota conservadora imposta pelo modelo econômico escolhido.
 
Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

  FONTE:
   
Planeta Terra: interrogações

Escrito por D. Demétrio Valentini


          Dada a evidente relação de nossa vida com o planeta terra – tema lançado pela Campanha da Fraternidade deste ano –, é muito conveniente situar algumas interrogações levantadas por alguns sintomas preocupantes. Sobretudo os dois que a Campanha aponta: o aquecimento global e as mudanças climáticas.  

        Essas interrogações apontam tanto para as causas destes sintomas como para suas conseqüências. E em decorrência, claro, nos motivam para nossas responsabilidades, quando bem identificadas. 

       A dificuldade de precisar bem os fenômenos relativos ao Planeta Terra reside no fato elementar de que o planeta tem um tirocínio muito maior que aquele que podemos alcançar com nossa existência humana. Mesmo ajudados pelos cientistas, enfrentamos ainda muita nebulosidade quando nos perguntamos sobre o que já aconteceu à Terra, na sua longa trajetória de bilhões de anos. Não é fácil descobrir os segredos que ela guarda, e quais são seus procedimentos face ao fenômeno da vida, que ela carrega como seu apanágio mais importante.  

         Mesmo os cientistas não são unânimes em interpretar os indícios de fatos relevantes acontecidos em nosso planeta. Segundo estudos realizados pela Universidade da Califórnia, sob a coordenação do professor Anthony Barnosky, já teriam acontecido cinco grandes extinções na história do planeta. Elas teriam provocado o desaparecimento, no mínimo, de dois terços das espécies vivas então existentes. Considere-se, como fato evidente, o mais do que comprovado desaparecimento dos dinossauros.  

        A interrogação maiúscula é se existem indícios de que estaria próxima a sexta grande extinção em massa das espécies de seres vivos do Planeta Terra.  

        De acordo com estes cientistas, antes da presença da raça humana, a cada milhão de anos desapareciam duas espécies de mamíferos. Ao passo que só nos últimos quinhentos anos teriam desaparecido 80 espécies de mamíferos, o que representaria uma aceleração preocupante, mesmo que a quantia represente proporcionalmente pouco, isto é, só um ou dois por cento das espécies.  

           Os próprios cientistas nos advertem que existe um enorme componente de incerteza nesses cálculos. Além do mais, como a extinção de espécies se dá de maneira irregular, olhar apenas um período mais curto, como, por exemplo, os últimos 500 anos, pode dar uma idéia errada das tendências a longo prazo.  

         De tal modo que estamos suficientemente alertados da inconveniência de tirarmos conclusões precipitadas ou alarmistas a respeito das condições de vida em nosso Planeta Terra. O que não nos isenta de estarmos atentos aos sinais inquietantes que podem ser detectados, dentro do âmbito do nosso alcance humano de averiguação e de comprovação.  

          Sobretudo, diante da acelerada exploração dos recursos naturais, levada a efeito a partir da recente revolução industrial, é evidente a necessidade de repensar o modelo de desenvolvimento implantado. Ele se caracterizou pela avidez em explorar os recursos da Terra, como se fossem inesgotáveis. Ao passo que já ficou evidente quanto eles são limitados, e estão prestes a desaparecer, como por exemplo as jazidas petrolíferas.  

      Este fato, sim, nos oferece um panorama ao alcance de nossa comprovação humana. Em conseqüência, nossa responsabilidade pode ser medida pela capacidade que tivermos, como espécie humana, de mudar nossa maneira de usar os recursos do planeta, de modo a favorecer o equilíbrio vital na era em que vivemos, garantindo que continuem no futuro.

Por isto, a reflexão sobre o estado de vida do planeta nos leva a alguns consensos importantes, que precisam ser bem identificados.  

D. Demetrio Valentini é bispo da diocese de Jales-SP.

  FONTE:

Impactos indiretos de Belo Monte serão muito maiores que os diretos

        O professor Luiz Pinguelli Rosa publicou na Folha de S. Paulo, no último dia 12 de fevereiro, um artigo defendendo a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Um de seus principais argumentos foi o preço oficial que a sociedade pagaria por sua energia: R$ 68/MWh, em comparação com o das novas termelétricas, de R$ 140/MWh. 
       Achei curioso o professor acreditar na manutenção dos R$ 68 e por outro lado citar tão genericamente a redução do fluxo no canal principal do rio. "A solução é garantir uma vazão mínima (pelo leito original do rio)", escreve.  
       De quanto seria essa tal vazão mínima? Ela garantiria a sobrevivência dos peixes e a navegabilidade do rio? É difícil acreditar, principalmente para quem conhece a região e sabe que durante boa parte do ano o Xingu já praticamente não corre. A água para mover as turbinas principais da barragem seria desviada do leito do Xingu por canais gigantescos. Quanto mais água passar pelo leito natural do rio, menos energia será gerada pela água desviada pelos canais. É evidente que o consórcio vai repassar essa conta ao consumidor.  
         O valor apontado ignora ainda uma série de custos ligados aos serviços ambientais que o rio Xingu preservado presta à sociedade, como a produção de peixes e a preservação da biodiversidade. O professor também observou que a área inundada de Belo Monte (516 km²) praticamente se restringiria àquela ocupada pelo rio em sua variação sazonal, como se isso justificasse o alagamento.  
        Ele parece desconhecer que estamos tratando de ecossistemas adaptados a um certo nível de alagamento em período curto do ano e que inevitavelmente se degradariam com o alagamento permanente (liberando o nefasto gás metano e fazendo com que as hidrelétricas da Amazônia contribuam tanto ou mais para o efeito estufa do que as termelétricas de potência equivalente, segundo apontam estudos científicos).  
        De toda forma, os impactos indiretos de Belo Monte seriam muito maiores que os diretos. A imigração prevista de dezenas de milhares de pessoas para a região já começou e já causa desmatamentos em uma escala sem precedentes. Tudo isto tem um custo, não considerado por Pinguelli.  
       Pensando nacionalmente, sabe-se que as florestas preservadas da bacia do Xingu contribuem em muito para o regime de chuvas do resto do país. É possível estimar economicamente o valor desta chuva, pois a devastação da floresta traria prejuízos financeiros calculáveis para a agricultura e para a indústria, que depende de água para produzir. Sem falar no abastecimento das nossas cidades.  
       Localmente, podemos enumerar os custos sociais causados pelo aumento da violência resultante do inchaço populacional repentino, pelas doenças causadas pelo enorme volume de água parada em uma região tropical e pela perda do apelo turístico, com o fim das corredeiras e das maravilhosas praias de areia branca.  
        São custos de Belo Monte que precisam ser considerados, o que não foi feito adequadamente, devido a terríveis pressões políticas, como registraram os próprios técnicos do Ibama, que não aprovaram o projeto. Mas que ainda podem ser evitados se a obra for cancelada. Essa luta está apenas começando.  
Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da UFPA (Universidade Federal do Pará) em Altamira, e faz parte do Painel de Especialistas para a Avaliação Independente dos Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte.
Artigo originalmente enviado para o jornal Folha de S. Paulo, que não se dispôs a publicar essa resposta de um professor atuante na principal instituição de pesquisa da localidade mais afetada pelo empreendimento da barragem de Belo Monte. 

FONTE: